Justiça Sob os Escombros
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Capítulo 3

No dia seguinte, os meus sogros vieram visitar-me. Não trouxeram flores nem palavras de conforto. Trouxeram acusações.

Helena entrou primeiro, com o rosto contraído numa máscara de desaprovação. Sérgio seguiu-a, de braços cruzados.

"Que história é essa de divórcio?" Helena exigiu, sem sequer dizer olá. "Perdeste o juízo? O Pedro disse-nos o que disseste."

Eu olhei para eles, sentada na cama do hospital. Senti-me como uma criança a ser repreendida.

"É verdade," respondi calmamente.

"Como te atreves a ser tão egoísta?" ela continuou, a sua voz a subir. "O meu filho atravessou a cidade em ruínas para salvar a irmã dele, e é assim que lhe agradeces? Ameaçando destruir a nossa família?"

Salvar a irmã dele. Eles repetiam a mesma mentira, como se isso a tornasse verdade.

"Ele deixou-me para morrer," disse eu, a minha voz a tremer ligeiramente. "Ele deixou o filho dele morrer."

Sérgio deu um passo em frente. "Não sejas dramática, Lia. Foi uma tragédia, um ato de Deus. Acontece. És jovem, podes ter outros filhos. Mas um divórcio? Isso é uma mancha que não sai."

Outros filhos. Como se um bebé fosse uma coisa substituível, como um prato partido.

"A Sofia está destroçada," disse Helena, as lágrimas a brotarem-lhe aos olhos. Lágrimas de crocodilo pela sua preciosa filha. "Ela não para de chorar, a culpar-se. E tu, em vez de a consolares, de apoiares o teu marido neste momento difícil, só pensas em ti."

Eu ri. Foi um som amargo, oco.

"Apoiar o meu marido? Consolar a Sofia? Onde estavam vocês todos quando eu estava debaixo dos escombros? Onde estava o meu marido quando o nosso filho estava a morrer dentro de mim?"

"Ele estava a ser um herói!" gritou Helena.

"Ele estava a ser um tolo," contrapus eu. "E vocês também, se acreditam nisso."

Sérgio apontou-me um dedo. "Ouve aqui, rapariga. Nós acolhemos-te nesta família. Demos-te tudo. E é esta a gratidão que mostras? Vais parar com esta estupidez de divórcio imediatamente. Vais para casa, vais pedir desculpa ao Pedro e vamos todos esquecer que isto aconteceu."

Esquecer. Eles queriam que eu esquecesse o meu filho.

"Não," disse eu, olhando-os nos olhos, um por um. "Eu não vou esquecer. E não vou para casa. A única coisa que vou fazer é assinar os papéis do divórcio."

Helena ofegou, chocada com a minha ousadia.

"Tu vais arrepender-te disto," disse Sérgio, a sua voz baixa e ameaçadora.

"Eu já me arrependo," respondi. "Arrependo-me do dia em que casei com o vosso filho."

Eles saíram, furiosos, deixando para trás um silêncio venenoso. Eu sabia, naquele momento, que não era apenas de Pedro que me estava a divorciar. Era de todos eles.

            
            

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