Abandonada no Fogo: A Volta Por Cima da Clara
img img Abandonada no Fogo: A Volta Por Cima da Clara img Capítulo 1
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Capítulo 1

O cheiro a fumo acordou-me.

Abri os olhos, a garganta seca, o ar pesado e cinzento. O alarme de incêndio do prédio gritava, um som agudo e contínuo que perfurava a confusão do sono.

Levantei-me de um salto, o pânico a gelar-me o sangue. A minha mão foi instintivamente para a minha barriga de oito meses. O bebé.

Corri para a porta da sala, mas o calor que irradiava da madeira fez-me recuar. Estava presa.

Agarrei no telemóvel, os meus dedos a tremer tanto que mal consegui marcar o número do meu marido, Miguel.

A chamada demorou uma eternidade a ser atendida. Quando ele finalmente falou, a sua voz estava ofegante, mas não de pânico. Era irritação.

"Clara? O que foi? Estou ocupado."

"Miguel! Fogo! Há um incêndio no prédio, não consigo sair do apartamento!"

Fez-se silêncio do outro lado, apenas o som distante de uma sirene.

"Onde estás?", perguntei, a esperança a surgir no meio do medo. Ele devia estar perto.

"Estou no prédio, sim," disse ele, a sua voz tensa. "Mas estou no quinto andar. A Sofia estava a ter um ataque de pânico, e o gato dela, o Biscoito, escondeu-se debaixo da cama. Tive de a vir ajudar."

O nosso apartamento era no décimo segundo andar, o epicentro do fumo. O apartamento da irmã dele, Sofia, era sete andares abaixo, numa zona que os bombeiros já tinham declarado segura.

"Miguel, o fumo está a ficar muito denso. Eu não consigo respirar. Por favor."

A minha voz era um sussurro desesperado.

"Calma, Clara," disse ele, com uma frieza que me atingiu mais do que o calor da porta. "Os bombeiros já estão a chegar. Eles são profissionais, sabem o que fazer. Eu não posso deixar a Sofia sozinha agora, ela está em choque."

Depois ouvi a voz dela ao fundo, chorosa e mimada.

"Miguel, e o Biscoito? Ele ainda está assustado. Não me deixes, por favor."

"Estou aqui, Sofia, não te preocupes," respondeu ele, com uma ternura que nunca usava comigo.

A chamada foi desligada.

Fiquei a olhar para o ecrã do telemóvel, incrédula.

O meu marido estava no mesmo prédio, mas escolheu salvar o gato da sua irmã em vez da sua mulher grávida.

A tosse rasgou-me os pulmões. O fumo negro entrava por baixo da porta. Caí de joelhos, o mundo a girar.

A última coisa que ouvi antes de desmaiar foi o som de um machado a partir a minha porta.

            
            

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