Acordei num quarto de hospital branco e estéril. O cheiro a antissético substituiu o cheiro a fumo.
Uma máscara de oxigénio cobria-me o rosto. Uma enfermeira estava a ajustar o soro no meu braço.
"O meu bebé," sussurrei, a voz rouca.
"O bebé está estável por agora, mas inalou muito fumo," disse a enfermeira, com um olhar simpático mas profissional. "Tivemos de a colocar sob observação intensiva. A senhora também precisa de descansar."
A porta abriu-se e Miguel entrou. Atrás dele, de braço dado, vinha Sofia, com os olhos vermelhos e a cara manchada de lágrimas falsas.
Miguel aproximou-se da cama, o seu rosto uma máscara de preocupação ensaiada.
"Clara, meu Deus, que susto. Estás bem?"
Não respondi. Apenas o encarei, o som da sua voz a acalmar Sofia a ecoar na minha mente.
"O que aconteceu? Porque é que não me atendeste mais?", perguntou ele, tentando pegar na minha mão.
Afastei-a.
"Estavas ocupado com o Biscoito," disse eu, cada palavra a arranhar a minha garganta.
Sofia começou a chorar mais alto.
"Clara, não sejas assim. Eu estava apavorada! O Miguel só me ajudou. Tu sabes como eu sou ansiosa."
"O teu ataque de pânico era mais importante que a minha vida? Que a vida do teu sobrinho?", perguntei, a minha voz a subir de tom.
"Não fales assim com ela!", interrompeu Miguel, a sua falsa preocupação a desaparecer. "Ela também estava assustada! Eu não podia estar em dois sítios ao mesmo tempo! Fiz o que pude!"
"Fizeste uma escolha," retorqui, a raiva a dar-me força. "E não nos escolheste a nós."
"Estás a ser dramática," disse ele, revirando os olhos. "Estás viva, não estás? Os bombeiros fizeram o trabalho deles. Qual é o problema?"
O problema.
Ele perguntava qual era o problema.
O meu marido, o pai do meu filho, achava que o facto de eu quase ter morrido enquanto ele consolava a sua irmã por causa de um gato não era um problema.
Nesse momento, uma dor aguda atravessou o meu ventre. Gritei, agarrando a minha barriga. A enfermeira voltou a correr para o quarto.
"O que se passa?", gritou ela.
Miguel e Sofia ficaram parados à porta, a observar, como se estivessem a ver uma cena num filme.