A dor era insuportável. Os médicos e enfermeiros entraram em tropel no quarto.
Ouvi palavras soltas como "sofrimento fetal" e "contração prematura". Levaram-me de urgência para o bloco operatório.
A última imagem que tive foi a do rosto indiferente de Miguel.
Quando acordei novamente, o quarto estava silencioso. A minha mãe, Helena, estava sentada numa cadeira ao lado da cama, a olhar para as suas mãos. Ao seu lado, estava o meu sogro, Artur, o pai de Miguel.
A minha barriga estava vazia. Plana.
Um frio profundo instalou-se no meu peito, um vazio que nada podia preencher.
"O bebé...", comecei a dizer, mas já sabia a resposta.
A minha mãe não conseguia olhar para mim. Foi Artur quem falou, a sua voz dura como pedra.
"O bebé não sobreviveu. O stress e o fumo foram demais."
Fechei os olhos. As lágrimas que eu pensei que viriam não apareceram. Havia apenas aquele vazio gelado.
"Foi por tua causa," continuou Artur, o seu tom acusador. "Sempre a criar problemas. A fazer um drama por nada."
Abri os olhos, chocada.
"Eu a criar problemas? O filho dele deixou-me para morrer!"
"Não fales assim do Miguel!", disse ele, levantando-se. "Ele fez o que um bom irmão faria! A Sofia é frágil, precisa de proteção. Tu devias ser mais compreensiva."
Olhei para a minha mãe, à espera que ela me defendesse. Que dissesse alguma coisa.
Ela apenas abanou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas.
"Clara, filha... O Artur tem razão. Agora fazes parte desta família. Tens de tentar entender. O Miguel estava sob pressão."
"Entender?", a minha voz saiu como um rosnado. "Entender que o meu marido e a minha própria mãe acham que a minha vida vale menos que um gato?"
"Não sejas injusta," disse a minha mãe, com a voz a tremer. "A Sofia é filha do Artur. Eu sou mulher dele. Temos de manter a paz na família."
A paz na família.
A minha paz tinha sido destruída. O meu filho estava morto. E a minha família estava a pedir-me para manter a paz.
"Saiam," disse eu, a minha voz surpreendentemente calma e firme. "Saiam os dois."
Artur olhou para mim com desprezo.
"Vês? Ingrata. Depois de tudo o que fizemos por ti."
Ele saiu, batendo a porta. A minha mãe hesitou, olhou para mim com um misto de pena e medo, e depois seguiu o marido.
Fiquei sozinha no silêncio do quarto, com o eco das suas palavras e o peso insuportável da minha barriga vazia.