Capítulo 2 Entre Paredes de Vidro e Mentiras de Seda

O reflexo de Isabela no espelho não era o mesmo de antes.

Ela se olhava com olhos que carregavam algo novo - não era apenas cansaço ou concentração. Era um brilho oculto, uma inquietação nos lábios, como se seus segredos estivessem à beira de escaparem com um suspiro descuidado.

Passaram-se dois dias desde a noite em São Paulo. Ela e Leonardo voltaram ao Rio como se nada tivesse acontecido. Nenhuma palavra, nenhum gesto. Apenas o silêncio conveniente de quem sabe que a realidade cobra caro por noites de fraqueza.

Mas a lembrança... essa era impossível de ignorar.

Ele a consumia até nos sonhos. O toque firme, os beijos que pareciam interrogá-la, como se tentassem descobrir cada centímetro da sua alma. Era difícil olhar para ele agora. Mais difícil ainda era fingir que não havia nada entre eles.

Na manhã de quinta-feira, Isabela chegou ao prédio mais cedo do que de costume. Subiu até o 22º andar com passos leves, tentando recuperar o controle que sempre a definiu. Atravessou o corredor envidraçado do setor de diretoria com a mesma expressão neutra de sempre.

Mas ao passar pela sala dele, parou. Uma hesitação milimétrica. Estava ali, de costas, falando ao telefone, com uma das mãos apoiada na janela e a outra no bolso. O terno escuro delineava o corpo atlético com perfeição. Era a imagem do poder - e da tentação.

Ela desviou o olhar, mas não rápido o suficiente.

- Isabela. - A voz veio grave e baixa.

Ela congelou por um instante e então se virou devagar.

- Sim, senhor?

- Preciso de você na sala em quinze minutos. Vamos revisar o contrato da filial de Frankfurt. Traga os relatórios traduzidos.

- Claro.

E então ele desligou a ligação, mas não disse mais nada. Apenas a observou. Longamente.

Ela respirou fundo e se afastou.

No elevador, sentiu o peso de um turbilhão que começava a girar. Era como caminhar sobre vidro: qualquer passo em falso, e tudo se despedaçaria.

De volta à sua mesa, mergulhou nos relatórios, tentando se convencer de que ainda podia manter distância. Mas, no fundo, sabia que já tinha atravessado a linha.

Quinze minutos depois, ela entrou na sala dele. A porta fechou-se com um clique suave atrás de si. O ar ali dentro parecia diferente. Mais denso.

Leonardo estava sentado, revisando alguns papéis. Levantou os olhos devagar, como se quisesse saboreá-la com o olhar antes de falar.

- Feche a cortina da parede de vidro.

Ela obedeceu sem questionar, mesmo sabendo o que aquele gesto significava. A sala ficou envolta por uma penumbra suave, protegida da curiosidade do mundo.

- Você está bem? - perguntou ele, com a voz mais baixa que o habitual.

- Estou - ela respondeu, mesmo sabendo que era mentira.

Leonardo se levantou e caminhou até ela. Não havia pressa. Apenas intensidade. Como sempre.

- Não gostei do seu silêncio desde São Paulo.

- Achei que fosse isso que você queria - ela disse, encarando-o.

- Eu disse que queria discrição. Não distância.

Ela desviou o olhar, mas ele segurou seu queixo com firmeza, erguendo-o até que seus olhos se encontrassem novamente.

- Está arrependida?

Ela hesitou.

- Estou confusa.

- Eu também.

A resposta dele foi inesperada. Vulnerável. E isso quebrou as defesas que ela tentava reconstruir.

Ele a beijou ali mesmo, entre as cortinas fechadas e o luxo silencioso da sala. Dessa vez, o beijo foi mais urgente. Como se ambos soubessem que estavam brincando com fogo.

Quando se separaram, Leonardo tocou o rosto dela com as costas dos dedos, suavemente.

- Não quero que isso seja só um erro. Você entende?

Ela queria dizer que entendia, mas não sabia como. Queria perguntar o que exatamente "isso" significava. Mas ficou em silêncio. Porque palavras, às vezes, estragam o que os olhos ainda estão tentando traduzir.

Os dias seguintes foram uma dança silenciosa entre tensão e desejo. No escritório, mantinham a aparência. Mas nos bastidores... tudo era diferente. Pequenos gestos, toques que pareciam acidentais, mensagens codificadas.

E então veio a sexta-feira.

O clima no prédio estava leve - como sempre às vésperas do fim de semana. Mas para Isabela, era tudo menos leve.

Leonardo a chamou no final da tarde. Queria revisar uma nova cláusula do contrato europeu. Uma desculpa. Ela sabia. E mesmo assim foi.

A sala dele estava com as luzes parcialmente apagadas. Um feixe de luz dourada atravessava as persianas, iluminando o canto da mesa de vidro. Havia uma garrafa de vinho tinto ao lado de duas taças.

- Isso não é protocolo, senhor - disse ela, tentando esconder o sorriso.

- Não é. Mas você também não é.

Ela se aproximou devagar, sentindo o coração bater como um tambor dentro do peito.

- Sabe que estamos cometendo um erro, não sabe?

Leonardo a encarou profundamente.

- Sabe qual é a diferença entre erro e escolha?

- Qual?

- O arrependimento que vem depois. E eu não me arrependo de ter te tocado. Nem por um segundo.

Isabela engoliu em seco. Sentia a garganta seca, a respiração curta, e o corpo tenso de desejo. Mas também de medo. Porque começava a não saber mais onde terminava a profissional que ela sempre foi e onde começava a mulher que ele despertava.

Eles passaram a noite juntos novamente. Na cobertura dele, com vista para o mar. E ali, entre os lençóis brancos e o som suave das ondas ao longe, Isabela deixou-se levar. Sem máscaras. Sem planos. Apenas entrega.

Leonardo era intenso. Não apenas no toque, mas nos olhos, nas palavras. Tinha o dom de invadir. Não o corpo - mas a alma. E isso a assustava mais do que qualquer escândalo.

No sábado, acordou sozinha na cama dele. Um bilhete repousava sobre o travesseiro:

"Fui à reunião com os investidores da Ásia. Volto ao meio-dia. Fique. Não é um pedido. - L."

Ela sorriu, um sorriso pequeno, quase triste. Porque, apesar do cuidado, ela sabia: aquilo era temporário. Segredos não sobrevivem à luz do dia. E a verdade tem o hábito cruel de aparecer quando menos se espera.

Naquela manhã, caminhou pela casa dele, descobrindo pedaços do homem por trás do CEO. Um livro de poesia em francês sobre a mesa de canto. Um quadro abstrato com assinatura feminina. Um piano de cauda em um canto da sala, fechado, mas afinado.

Leonardo era mais do que mostrava ao mundo. E isso a fazia desejá-lo ainda mais.

Quando ele voltou, encontrou-a sentada no sofá, com os joelhos dobrados e uma xícara de chá entre as mãos.

- Pensei que fosse embora - disse ele.

- Eu quase fui - respondeu ela. - Mas tinha um bilhete me obrigando a ficar.

Ele sorriu, um daqueles sorrisos raros que ele guardava só para ela. E naquele sorriso, Isabela sentiu que, talvez, estivesse começando a cair.

Não por conveniência. Não por desejo. Mas por algo mais profundo. Mais perigoso.

Amor.

E esse, ela sabia, seria o erro mais doce - e mais devastador - da sua vida.

            
            

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