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A tela do celular de Leonardo ainda exibia a mensagem anônima quando ele apertou o botão de bloqueio, como se pudesse apagar o impacto daquela frase apenas desligando a tela. Mas não podia. A ameaça estava feita. E o jogo silencioso que ele e Isabela vinham jogando já não era mais secreto.
"Cuidado com quem você toca no escuro. Algumas sombras falam demais."
As palavras ecoavam em sua mente como um sussurro ácido. Frases curtas, calculadas, lançadas com precisão cirúrgica. Não havia nome, nem número, nem rastro. Mas havia intenção. E Leonardo conhecia bem os jogos de poder disfarçados de anonimato.
A primeira coisa que fez foi verificar as câmeras do andar da diretoria. Pediu à equipe de segurança que cruzasse os horários de entrada e saída de todos os funcionários. Mas nada parecia fora do normal.
Ou talvez, pensou ele, o mais perigoso fosse justamente aquilo: normalidade demais.
Enquanto isso, Isabela estava em casa, diante do espelho. Tinha acabado de sair do banho, envolta apenas em um roupão branco. Os olhos estavam levemente avermelhados, não por choro, mas por exaustão.
Nos últimos dias, cada segundo parecia um passo entre duas cordas esticadas acima de um abismo. O que antes era um romance secreto com sabor de liberdade agora pesava nos ombros como uma culpa que ela não sabia se podia - ou devia - carregar.
Ela amava Leonardo. Isso não era mais um segredo para si mesma. Mas amar um homem comprometido, envolvido em um noivado político, com uma imagem pública a zelar, não era algo que pudesse existir por muito tempo entre quatro paredes.
E a pior parte? Ela não queria desistir.
Mesmo que tudo estivesse contra eles.
Quando o celular vibrou, ela já sabia que era ele. A vibração curta, sem notificação. Eles combinavam de não usar aplicativos rastreáveis, não trocar mensagens escritas demais, nunca dar brechas.
Atendeu.
- Estão nos observando - ele disse, sem rodeios.
- O que...?
- Recebi uma mensagem anônima. Alguém sabe. E está ameaçando.
Ela sentiu o sangue gelar. Por um instante, o mundo pareceu girar devagar demais.
- Você sabe quem pode ser?
- Não. Mas vamos descobrir. E a partir de agora, vamos ter que tomar cuidado dobrado.
Isabela sentou-se na beira da cama, as mãos trêmulas.
- O que isso significa, Leonardo?
- Que talvez estejamos correndo contra o tempo.
Nos dias que se seguiram, o clima no escritório mudou. Era como se uma cortina invisível tivesse sido erguida entre eles. Os encontros tornaram-se cada vez mais escassos. Leonardo evitava chamá-la à sua sala. Evitava até mesmo olhar por muito tempo em sua direção.
Mas Isabela percebia.
Ela sempre percebia.
O cuidado excessivo, os gestos contidos, a ausência de mensagens. Era proteção, sim. Mas também distância. E isso a dilacerava lentamente.
Então, na sexta-feira à tarde, algo aconteceu.
Ela foi chamada para uma reunião com o diretor financeiro - o tipo de coisa que nunca acontecia sem motivo.
Ao entrar na sala, encontrou não apenas o diretor, mas também o advogado interno da empresa e... Júlia.
Sim, Júlia.
A noiva de Leonardo estava ali, sentada, com um sorriso educado que não alcançava os olhos.
- Boa tarde, Isabela - disse o diretor, com voz neutra. - Por favor, sente-se.
Ela obedeceu, mas já sabia: havia algo muito errado.
O advogado pigarreou.
- Fomos informados, de forma anônima, sobre um possível envolvimento pessoal entre você e o CEO da empresa.
Silêncio.
Isabela permaneceu imóvel, o olhar fixo nos olhos do advogado.
- Isso não é uma acusação formal, ainda. Mas, dado o papel sensível que você desempenha na equipe de contratos internacionais, e considerando os impactos que isso pode ter sobre a reputação da companhia, estamos iniciando uma apuração interna.
- Isso é uma brincadeira? - ela perguntou, a voz seca.
- Não - respondeu Júlia, com suavidade venenosa. - É apenas uma medida preventiva. Tenho certeza de que, se não houver nada a esconder, tudo será esclarecido.
Isabela a encarou por um segundo mais longo do que o necessário. E, naquele segundo, entendeu.
A mensagem anônima. A denúncia. A reunião.
Era ela. Júlia.
Ela estava por trás de tudo.
Naquela noite, Leonardo foi até o apartamento de Isabela. Pela primeira vez em semanas, não se importou com quem os visse. Chegou de cara limpa, sem desculpas, sem medo. Tocou a campainha como se cada segundo sem vê-la fosse insuportável.
Ela abriu a porta. E antes que dissesse qualquer coisa, ele a puxou para si e a beijou. Um beijo cheio de urgência, raiva, tristeza - e amor.
- Eles te chamaram, não é? - ele disse.
Ela assentiu, com os olhos marejados.
- Júlia está por trás disso.
- Eu sei - ele respondeu. - E estou prestes a quebrar todas as regras por você.
Ela o olhou com intensidade.
- Está preparado para perder tudo?
Leonardo respirou fundo.
- Se perder tudo for o preço por te amar de verdade... então eu pago.
Ela o abraçou com força. E naquele abraço, havia mais que consolo. Havia uma decisão.
Na segunda-feira seguinte, a notícia caiu como uma bomba.
Leonardo Vasconcellos havia renunciado ao cargo de CEO da Vasconcellos & Lima.
A empresa soltou um comunicado oficial, falando em "diferenças estratégicas" e "nova fase de expansão". Mas os corredores sabiam a verdade.
Ele abdicou do trono para proteger o que amava.
Mas o mundo não é gentil com histórias de amor que nascem nas sombras.
A imprensa descobriu. Os sites sensacionalistas publicaram manchetes com fotos desfocadas, boatos de traição, escândalos corporativos. Isabela foi chamada para prestar esclarecimentos formais. Passou dias em silêncio, evitando sair de casa.
Mas Leonardo... não recuou.
- Você não vai enfrentar isso sozinha - ele disse.
E não enfrentou.
Ele a levou para longe por um tempo. Sumiram dos radares. Foram para o litoral sul da França, onde ninguém os conhecia, onde ninguém importava. Lá, entre cafés em varandas, tardes preguiçosas à beira-mar e olhares sem pressa, eles aprenderam a se amar com calma.
Não como amantes.
Mas como parceiros.
Como dois seres que sobreviveram à própria tempestade.
Meses depois, voltaram ao Brasil. Leonardo montou uma nova empresa, longe dos holofotes da mídia e dos escândalos familiares. Isabela passou a trabalhar ao lado dele, mas agora com o nome no cartão de visitas e o coração na transparência.
Eles não escondiam mais nada.
E quando perguntavam sobre o início da história, eles sorriam, cúmplices.
Porque sabiam que os melhores amores nascem das escolhas mais arriscadas.
E que amar, no fim, sempre vale a pena - mesmo que se pague caro por isso.