Capítulo 3 Um Mundo Que Não Nos Pertence

Era difícil descrever o que se formava entre eles. Não era apenas paixão - ainda que essa fosse intensa como um incêndio prestes a escapar do controle. Também não era apenas desejo, mesmo que os corpos gritassem quando se tocavam. Havia algo mais.

Algo que surgia nos pequenos gestos, nas palavras ditas ao acaso, nos silêncios compartilhados com uma intimidade que assombrava.

Mas aquele algo... não podia existir à luz do dia.

Na manhã de segunda-feira, Isabela chegou ao escritório mais tarde que o normal. Tinha dormido pouco. O fim de semana com Leonardo havia sido arrebatador, e acordar no apartamento dele, ouvindo o som abafado da cidade, a fez questionar tudo o que acreditava sobre si mesma.

Ela era uma mulher racional. Sempre foi. Organizada, reservada, fiel à própria independência. Nunca havia se permitido sonhar com contos de fadas - e muito menos com o papel da amante. E, ainda assim, era isso que estava se tornando.

Ele nunca prometera exclusividade. Nunca falara de sentimentos. Mas também nunca a tratara como algo descartável. Na presença dele, sentia-se vista, tocada em profundezas que não sabia existirem. E isso a enfraquecia.

Ao passar pela recepção, percebeu o burburinho.

- Você viu? - sussurrou uma das funcionárias, com os olhos arregalados.

- Chegou com ela no carro, mas ninguém sabe quem é...

Isabela franziu o cenho e seguiu em direção ao elevador. Um calafrio percorreu suas costas. Quando a porta abriu no 22º andar, soube que havia algo errado.

A assistente pessoal de Leonardo, Mirela, estava tensa. Nem olhou para Isabela ao passar.

Na porta do escritório, Isabela parou. A voz de Leonardo vinha de dentro, abafada, acompanhada de uma risada feminina.

Ela bateu, e a voz dele autorizou com indiferença:

- Pode entrar.

Ela entrou. E congelou.

Uma mulher loira, elegante, estava sentada na poltrona diante da mesa dele. Usava um vestido de grife em tom vinho, os cabelos presos em um coque sofisticado e olhos claros delineados com perfeição.

Leonardo estava de pé, segurando uma taça de café, com a expressão perfeitamente neutra.

- Isabela - disse ele. - Esta é Júlia Tavares.

A mulher se levantou com um sorriso afiado.

- Noiva do Leonardo. Muito prazer.

A palavra bateu como um soco no estômago.

Noiva.

Ela sorriu por instinto, por autoproteção.

- Isabela Mendes. Tradução jurídica e internacional.

Elas apertaram as mãos, e o toque foi gélido.

Leonardo observava as duas. Mas não dizia nada. O silêncio dele foi o que mais doeu.

Júlia sentou-se novamente e continuou falando sobre a exposição de arte da qual participaria naquela semana, como se Isabela fosse apenas mais uma sombra na sala.

Ela permaneceu ali o tempo necessário para entregar os documentos que viera trazer. E então saiu, mantendo o passo firme, o queixo erguido. Mas por dentro, estava em ruínas.

O dia passou em marcha lenta. As palavras dos contratos embaralhavam-se na tela. O telefone tocava, mas ela mal ouvia. A imagem de Júlia, tão perfeita, tão adequada àquele mundo, insistia em invadir seus pensamentos.

Era isso que Leonardo não lhe dissera.

A razão pela qual mantinha tudo entre os dois às escondidas.

Não era apenas uma questão de reputação, de hierarquia... Ele tinha um compromisso. Um laço. Um futuro planejado com outra mulher.

Quando o relógio marcou 18h10, Leonardo apareceu em sua sala.

Fechou a porta e ficou em silêncio por alguns segundos.

- Eu devia ter te contado - disse, por fim.

- Sim, devia - respondeu ela, com a voz baixa.

- Mas não sabia como.

- E ainda assim sabia como me levar para sua cama.

Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos, num gesto que ela conhecia bem - o único que o traía.

- Meu noivado é uma aliança de conveniência. Nossos pais selaram essa união desde que éramos adolescentes. Júlia sabe disso. Ela tem a própria vida. É tudo aparência. Política.

Isabela o encarou com olhos feridos.

- E eu sou o quê?

- Você é a única coisa real nisso tudo.

Ela queria acreditar. Queria tanto.

- Mas você não me escolheu hoje. Escolheu manter a mentira.

Ele se aproximou devagar.

- Eu escolhi te proteger. Esse mundo não é gentil, Isabela. Eles fariam picadinho de você. A imprensa. Os acionistas. O conselho. Até mesmo Júlia. Ela pode parecer calma, mas é venenosa.

- E você? - perguntou ela, com a voz trêmula. - Você é o quê?

Leonardo a puxou pela cintura, como se quisesse prendê-la ao próprio corpo, como se quisesse fundir-se a ela para calar todas as dúvidas.

- Eu sou alguém que não consegue mais viver sem te ter perto.

Ela chorou. Silenciosamente. As lágrimas desciam e se perdiam no colarinho dele. E, mesmo ferida, ela o abraçou. Porque o sentimento já era maior que o orgulho.

Naquela noite, não houve toque. Nem beijo.

Leonardo a levou até seu apartamento, mas ficaram apenas sentados no sofá, lado a lado. Ele abriu um vinho, mas mal bebeu. Falou pouco. Ela menos ainda.

Mas havia algo naquela quietude compartilhada. Como se soubessem que o caminho à frente seria difícil demais, mas que não queriam voltar atrás.

- Eu não vou te pedir para ficar, Isabela - disse ele. - Seria egoísmo. Mas se ficar... eu vou te proteger. Nem que o mundo desabe.

Ela o olhou. Longamente. E então encostou a cabeça em seu ombro.

- Não estou ficando por proteção, Leonardo. Estou ficando porque, mesmo sabendo que isso vai me quebrar... ainda assim, quero te amar até o fim.

Ele fechou os olhos. E naquele instante, ela soube: ele também a amava. Mesmo sem dizer. Mesmo preso a um destino que não escolheu.

Nos dias seguintes, tudo ficou mais arriscado.

Eles passaram a se encontrar com menos frequência, mais cuidado, mais tensão. Mas cada toque era mais intenso. Cada palavra mais carregada de urgência. Era como amar nas entrelinhas de um livro proibido.

Júlia aparecia de vez em quando no escritório, sempre com o sorriso falso e o perfume doce demais. E Isabela aprendeu a sorrir de volta, mesmo sangrando por dentro.

Leonardo evitava trazê-la às reuniões, mas isso apenas tornava tudo mais evidente. Eles estavam em um jogo perigoso - e sabiam disso.

O que não sabiam... era que estavam sendo observados.

No final do capítulo, uma mensagem anônima aparece no celular de Leonardo. Sem remetente.

"Cuidado com quem você toca no escuro. Algumas sombras falam demais."

Ele lê. E sua expressão muda.

Porque alguém sabe.

E o mundo que ele tentava proteger pode estar prestes a ruir.

            
            

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