Na manhã seguinte, acordei no sofá. O meu corpo doía.
O Diogo já tinha saído. Havia uma nota na mesa da cozinha.
"Fui ver a Beatriz. Não me esperes para o almoço."
Nenhuma palavra de desculpa. Nenhuma palavra de carinho.
Eu era a sua esposa, mas sentia-me como uma estranha na minha própria casa.
Peguei no meu telemóvel. Havia notificações das redes sociais. Amigos a publicarem fotos do nosso casamento.
"Que casal lindo! Felicidades!"
"O amor verdadeiro existe! Tão feliz por vocês!"
Ri amargamente. Se eles soubessem.
Liguei à minha melhor amiga, a Lara. Contei-lhe tudo.
"O quê?!", ela gritou ao telefone. "Na vossa noite de núpcias? Sofia, tens de te impor!"
"O que posso fazer?", perguntei, sentindo-me impotente. "Ele diz que ela precisa dele."
"E tu não? Acabaram de casar! Isso é inaceitável. A Beatriz está a manipulá-lo, e ele está a deixar."
Eu sabia que a Lara tinha razão.
Durante anos, a Beatriz tinha sido uma sombra na nossa relação. Sempre que dávamos um passo em frente, ela aparecia com uma crise.
Uma doença súbita. Uma emergência financeira. Uma crise emocional.
E o Diogo corria sempre para a salvar.
"Ela é frágil, Sofia", dizia ele. "Eu prometi ao pai dela antes de ele morrer que cuidaria dela."
Eu tentei ser compreensiva. Tentei acreditar nele.
Mas agora, casados, a situação era diferente. Eu era a sua mulher. A sua prioridade.
Ou pelo menos, devia ser.
Decidi ir ao hospital. Precisava de ver com os meus próprios olhos.
Quando cheguei, encontrei o quarto dela facilmente. A porta estava entreaberta.
Espreitei.
A Beatriz estava deitada na cama, o pulso enfaixado. O Diogo estava sentado ao lado dela, a descascar-lhe uma maçã.
Ele estava a sorrir para ela, um sorriso terno que eu não via há muito tempo.
"Diogo, és tão bom para mim", disse a Beatriz, a sua voz fraca e melosa. "Não sei o que faria sem ti."
"Não te preocupes. Eu estarei sempre aqui para ti", respondeu ele suavemente.
O meu estômago revirou-se.
Era uma cena íntima, quase doméstica. Eu não pertencia ali.
Recuei silenciosamente, o meu coração a bater descontroladamente.
Quando me virei, esbarrei em alguém.
Era a mãe do Diogo, a Sra. Helena. Ela olhou para mim, depois para a porta do quarto, e suspirou.
"Sofia, minha querida."
Os seus olhos estavam cheios de pena.
"Ele ama-te", disse ela em voz baixa. "Mas ele sente-se culpado pela Beatriz. É uma obrigação que ele não consegue largar."
"Uma obrigação?", repeti, a minha voz a falhar. "Ele abandonou-me na nossa noite de núpcias por causa de uma obrigação."
A Sra. Helena pegou na minha mão. A sua estava fria.
"Eu sei que não é justo. Falei com ele vezes sem conta. Mas ele é teimoso. Ele acha que lhe deve isso."
Ela olhou-me nos olhos.
"Por favor, sê paciente com ele. Ele vai perceber. Ele só precisa de tempo."
Tempo? Quanto mais tempo eu teria de esperar?
Dez anos não foram suficientes?