A reação de Pedro foi exatamente a que eu esperava. Primeiro, um silêncio chocado, depois uma explosão de raiva.
"Divórcio? Estás louca? A tua mãe acabou de morrer e estás a pensar em divórcio? Não tens respeito nenhum?"
"O respeito acabou no momento em que te preocupaste mais com o almoço da tua mãe do que com a morte da minha."
"Isso não é justo! Eu só estava a tentar proteger a minha mãe! Ela é frágil!"
Frágil. A Beatriz, que conseguia diminuir a minha mãe com um único olhar, era frágil. A minha mãe, que trabalhou a vida inteira e aguentou tudo em silêncio, essa não era.
"Não quero saber, Pedro. Acabou. Quando chegares a casa, quero que tu e a tua mãe peguem nas vossas coisas e saiam."
"Sair? Da nossa casa?"
"Da minha casa," corrigi-o. "A casa está no meu nome. Foi a minha mãe que a pagou com o dinheiro da herança dos meus avós."
Ele ficou mudo. Provavelmente nunca tinha pensado nisso. Para ele, tudo o que era meu, era dele.
"Sofia, não podes fazer isto. Pensa em tudo o que passámos juntos."
"Eu estou a pensar, Pedro. Estou a pensar em todos os jantares que a minha mãe fez para a tua família. Em todas as vezes que ela limpou a sujidade deles. Em todas as vezes que tu ficaste calado enquanto a tua mãe a humilhava. Estou a pensar nisso tudo."
"Isso são coisas pequenas! Todas as famílias têm problemas!"
"Não para mim. Não mais."
Desliguei o telefone antes que ele pudesse responder. Bloqueei o número dele. Depois, bloqueei o número da Beatriz.
Senti um alívio imenso, como se tivesse tirado um peso enorme das costas.
Chamei um táxi e dei a morada de casa. Durante o caminho, olhei pela janela. As pessoas riam, conversavam, viviam as suas vidas. O meu mundo tinha desabado, mas o resto do mundo continuava a girar.
Quando cheguei a casa, a porta estava aberta.
Pedro e Beatriz estavam na sala de estar. As malas dela estavam no chão. Ele andava de um lado para o outro, o rosto vermelho de fúria. Beatriz estava sentada no sofá da minha mãe, o sofá preferido dela, com uma expressão de desdém.
"Finalmente apareceste," disse Pedro, a voz a pingar sarcasmo. "Tivemos de chamar um serralheiro para entrar na nossa própria casa."
"Na minha casa," repeti, calmamente. "E vocês não são bem-vindos aqui."
Beatriz levantou-se. Ela era uma mulher alta e magra, com um ar de superioridade permanente.
"Ouve aqui, rapariga," começou ela, a voz gélida. "Não sei que disparate te passou pela cabeça, mas vais parar com isto agora mesmo. O meu filho não merece este tratamento."
"O seu filho não merece? E a minha mãe? O que é que ela merecia?"
"A tua mãe era uma mulher simples. Ela fazia o que tinha de fazer. Tu devias aprender com ela a ser uma boa esposa e a respeitar o teu marido e a família dele."
O sangue ferveu nas minhas veias.
"A minha mãe morreu, Beatriz. E morreu por causa do stress e da tristeza que vocês lhe causaram durante anos."
Ela riu. Uma risada curta e cruel.
"Não sejas ridícula. Ela morreu porque era fraca. Se não aguentava a pressão, o problema era dela. Agora, sê uma boa menina, pede desculpa ao Pedro e vai para a cozinha fazer o jantar. Estamos com fome."
Naquele momento, toda a dor e o luto transformaram-se numa raiva fria e cortante.
Caminhei até ela, parei a centímetros do seu rosto e olhei-a nos olhos.
"Saia da minha casa. Agora."
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