Beatriz recuou um passo, surpreendida pela minha ousadia. A máscara de superioridade dela vacilou por um segundo.
"Como te atreves a falar assim comigo?" sibilou ela.
Pedro interveio, pondo-se entre nós. "Sofia, já chega! Pede desculpa à minha mãe!"
"Não. Ela é que tem de pedir desculpa. À memória da minha mãe."
"Estás a ser irracional! A minha mãe não fez nada de mal!"
Olhei para ele, para o homem que eu um dia amei. Não via nada nele para além de fraqueza e egoísmo.
"Peguem nas vossas coisas e saiam," repeti, a voz baixa e controlada. "Se não saírem por vontade própria, eu chamo a polícia."
A menção da polícia fê-los hesitar. Beatriz olhou para Pedro, esperando que ele resolvesse a situação.
"Não podes fazer isso," disse ele, a voz a perder a força. "Nós somos uma família."
"Nós éramos. Tu e ela são uma família. Eu não faço parte dela."
Fui até ao quarto deles, peguei em duas malas vazias e comecei a atirar as roupas de Pedro para dentro, sem cuidado nenhum. Camisas, calças, roupa interior, tudo amontoado.
"O que estás a fazer?" gritou ele, correndo atrás de mim. "Para com isso! São as minhas coisas!"
Ignorei-o. Fui à casa de banho e despejei os seus produtos de higiene pessoal para dentro da mala. A escova de dentes, o gel de barbear, o perfume caro que a mãe dele lhe tinha oferecido.
Beatriz observava da porta, o rosto uma máscara de fúria contida.
"Vais arrepender-te disto, Sofia," disse ela, a voz a tremer de raiva. "Vais ficar sozinha e miserável."
"Prefiro ficar sozinha a continuar a viver convosco," respondi, fechando uma das malas com dificuldade.
Arrastei as duas malas para a sala de estar e deixei-as cair perto da porta.
"Agora, as tuas," disse, olhando para as malas de Beatriz.
"Não te atrevas a tocar nas minhas coisas!" gritou ela.
Pedro agarrou-me pelo braço. "Para, Sofia! Estás a passar dos limites!"
Puxei o meu braço com força. "O limite foi passado quando vocês trataram a morte da minha mãe como um inconveniente. Agora, saiam."
Ele olhou para mim, o seu rosto uma mistura de confusão e raiva. Ele não conseguia compreender. Na sua mente, ele não tinha feito nada de errado. A lealdade dele era para com a mãe dele, sempre foi. Eu era apenas um acessório na vida dele.
"Tudo bem," disse ele finalmente, a voz derrotada. "Nós vamos. Mas vais ouvir falar do meu advogado."
"Ótimo. Mal posso esperar."
Ele pegou nas suas malas e nas de Beatriz. Ela lançou-me um último olhar cheio de ódio antes de se virar e sair, batendo a porta com força.
O silêncio que se seguiu foi absoluto.
Fiquei parada no meio da sala, a olhar para o espaço vazio que eles tinham deixado. A casa parecia maior, mais silenciosa.
Não senti tristeza. Não senti arrependimento.
Senti paz.
Pela primeira vez em muito tempo, eu podia respirar.
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