Saí do hospital com o atestado de óbito da minha mãe na mão.
O sol do meio-dia estava forte, mas eu sentia um frio que vinha de dentro.
O meu telemóvel vibrou. Era o meu marido, Pedro.
A voz dele era animada, perguntando se a minha mãe já tinha feito o almoço para ele e a minha sogra, Beatriz.
Com a garganta rouca, respondi: "Ela não vai poder fazer."
Ele, irritado, retrucou: "Diz-lhe para não ser preguiçosa. A minha mãe fez um esforço para vir de longe só para provar a comida dela."
Nesse momento, a frieza insuportável atingiu-me.
"Pedro, a minha mãe morreu."
Houve um silêncio do outro lado. Depois, a voz dele voltou, furiosa: "Morreu? Estás a brincar comigo? Que piada de mau gosto é essa, Sofia?"
Não havia preocupação comigo, nem com a minha mãe falecida.
A única preocupação dele era a desilusão da sua mãe, Beatriz.
"O que é que eu digo à minha mãe agora? Que a viagem foi em vão?"
Ele exigiu que eu inventasse uma desculpa, para "não estragar o dia" à sua mãe, que tinha o "coração fraco".
Enquanto a minha mãe, que acabara de morrer de um ataque cardíaco, era "preguiçosa".
O mundo pareceu girar devagar enquanto a raiva se apoderava de mim.
A minha mãe morreu de tristeza acumulada ao servir uma família que nunca a valorizou.
O homem com quem partilhei cinco anos de vida estava mais preocupado com um almoço cancelado do que com a morte da minha mãe.
A decisão formou-se na minha mente, clara e fria.
Liguei-lhe de volta e, antes que ele pudesse terminar a sua reclamação, a minha voz firme cortou-o:
"Pedro, vamos divorciar-nos."