Pedro não apareceu naquela noite.
Nem na manhã seguinte.
Enfrentei o procedimento sozinha. O frio da sala de operações, as luzes brilhantes por cima, as vozes abafadas da equipa médica.
Fechei os olhos e rezei para que tudo acabasse depressa.
Quando acordei, a dor física era um eco surdo da dor emocional que me rasgava por dentro. Uma enfermeira estava ao meu lado.
"Correu tudo bem," disse ela com um sorriso forçado. "Pode ir para casa hoje à tarde, se se sentir bem."
Ir para casa.
Para a casa que já não sentia como minha.
Quando finalmente me deram alta, chamei um táxi. O pensamento de ligar ao Pedro ou à Sofia era insuportável.
A viagem para casa foi um borrão. As ruas de Lisboa passavam pela janela, mas eu não via nada. A minha mente estava presa naquele quarto de hospital, no silêncio que se seguiu à notícia.
Quando cheguei ao nosso prédio, hesitei. A chave parecia estranha na minha mão, pesada.
Entrei no apartamento em silêncio.
Estava tudo impecavelmente limpo. Demasiado limpo.
A primeira coisa que notei foi o cheiro. Um perfume floral, doce e enjoativo. Não era o meu perfume. Era o da Sofia.
Fui até ao nosso quarto.
A cama estava feita, os lençóis esticados sem um único vinco. Mas na mesa de cabeceira do lado do Pedro, ao lado do seu livro, estava uma chávena de chá meio vazia e um pequeno prato com migalhas de bolacha.
E no chão, perto da cama, estava um único brinco de pérola.
Pertencia à Sofia. Eu tinha-lho dado no seu último aniversário.
O meu coração batia forte contra as minhas costelas. Fui até ao quarto de hóspedes, o quarto da Sofia. Estava vazio. A cama estava feita, as suas roupas tinham desaparecido do armário.
Voltei para a sala, o pânico a começar a instalar-se.
Onde é que eles estavam?
Vi um pedaço de papel na mesa de centro. Era a caligrafia do Pedro.
"Lia, fui levar a Sofia para a casa da tia dela no Algarve por alguns dias. Ela precisa de se afastar um pouco do stress da cidade para recuperar. Voltaremos em breve. Precisamos de conversar. Com amor, Pedro."
Com amor.
A mentira era tão descarada que me fez sentir doente.
Ele tinha-a levado. Tinha-a tirado da cidade, para longe de mim, para um lugar seguro onde pudessem ficar juntos sem terem de olhar para a minha cara.
A raiva substituiu o choque. Uma raiva fria e cortante.
Eles não só me tinham traído. Tinham-no feito enquanto o meu filho morria dentro de mim.
Eles tinham fugido, deixando-me para trás para lidar com os destroços sozinha.
Naquele momento, tomei uma decisão.
Eles podiam ter fugido. Mas não se iriam esconder para sempre.
Eu ia encontrá-los. E eles iam pagar pelo que fizeram.