Passei as horas seguintes a agir com uma clareza que me surpreendeu. A dor ainda lá estava, um peso constante no meu peito, mas a raiva dava-me um propósito.
Primeiro, liguei a um advogado. Encontrei o nome de uma das melhores advogadas de divórcio da cidade, a Dra. Isabel Neves. A sua assistente disse-me que ela estava ocupada, mas eu insisti.
"Diga-lhe que o meu marido me abandonou no dia em que perdi o nosso filho para fugir com a minha irmã. Acho que ela vai querer ouvir isto."
Funcionou. A Dra. Neves ligou-me de volta dez minutos depois.
A sua voz era calma e profissional. "Sra. Almeida, lamento a sua perda. Conte-me tudo."
E eu contei. Contei-lhe sobre as chamadas não atendidas, a voz da Sofia ao telefone, o brinco no chão, o bilhete. Não chorei. A minha voz estava firme, cada palavra um tijolo no muro que eu estava a construir à volta do meu coração.
"Entendo," disse ela quando terminei. "Isto é mais do que um simples caso de adultério. Isto é crueldade emocional extrema. Vamos garantir que ele não se safa."
"Eu não quero o dinheiro dele," disse eu. "Eu quero justiça. Quero que todos saibam o que ele fez."
"Eles saberão," prometeu ela. "Primeiro passo: vamos congelar todos os vossos bens em comum. Ele não vai poder usar o vosso dinheiro para financiar a sua pequena escapadela romântica."
Senti uma pequena centelha de satisfação. Era um começo.
Depois de desligar, fiz a minha segunda chamada. Foi para o chefe do Pedro.
Pedro era gestor de projetos numa grande empresa de construção, uma imagem de responsabilidade e confiança. A sua reputação era tudo para ele.
"Bom dia, Sr. Carvalho," disse eu quando ele atendeu. "Sou a Lia Almeida, a mulher do Pedro."
"Lia! Como está? O Pedro disse-me que não se estava a sentir bem. Espero que esteja tudo bem."
"Não, Sr. Carvalho. Não está tudo bem. O Pedro não está doente. Ele fugiu com a minha irmã de dezanove anos. Ele abandonou-me no dia em que o nosso filho morreu."
Houve um silêncio chocado do outro lado da linha.
"O quê? Isso... isso não pode ser verdade."
"É a mais pura das verdades," continuei, a minha voz a tremer ligeiramente com a força da minha convicção. "Ele deixou-me sozinha para passar por um procedimento cirúrgico depois de perdermos o nosso bebé. Se tiver alguma dúvida, pode verificar os registos do Hospital de Santa Maria. E se vir o Pedro, diga-lhe que a sua mulher e o seu advogado gostariam de falar com ele."
Desliguei antes que ele pudesse responder.
Sabia que tinha acabado de detonar uma bomba na vida profissional do Pedro. A notícia espalhar-se-ia como fogo. A sua imagem de homem de família dedicado seria destruída.
Bem. Era o que ele merecia.
Olhei à volta do apartamento. Cada objeto parecia manchado pela traição deles. As fotografias de nós os três a sorrir, as recordações de férias, os presentes que trocámos.
Comecei a arrumar. Mas não as minhas coisas. As deles.
Juntei todas as roupas do Pedro, os seus livros, os seus gadgets. Empacotei tudo em caixas de cartão. Fiz o mesmo com as poucas coisas que a Sofia tinha deixado para trás.
Trabalhei durante horas, movida por uma energia febril. Quando terminei, a casa parecia vazia, mas mais limpa. Mais minha.
Levei as caixas para a entrada do prédio e colei uma etiqueta em cada uma.
"PARA PEDRO E SOFIA. DEVOLVER AO REMETENTE."
Não, isso não estava certo.
Rasguei as etiquetas e escrevi umas novas.
"LIXO."