A enfermeira entrou no quarto, o seu rosto uma máscara de simpatia profissional.
"Sra. Almeida, o seu marido chegou?"
Abanei a cabeça, incapaz de falar.
"E a sua irmã? Ela não vem?"
"Não," consegui dizer. "Estou sozinha."
Ela olhou para mim com pena, um olhar que eu comecei a odiar. Não queria a pena de ninguém. Queria o meu filho de volta.
Ela ajudou-me a sentar-me, deu-me um copo de água. As suas ações eram gentis, mas sentia-me como um objeto, uma coisa partida que precisava de ser consertada.
"O procedimento para remover o... o feto está marcado para amanhã de manhã," disse ela suavemente. "Precisa de descansar."
Remover o feto.
Não o meu filho. Não o meu bebé. Um feto.
Um termo clínico para o fim do meu mundo.
Assenti, porque era a única coisa que conseguia fazer.
Quando ela saiu, o silêncio do quarto voltou a engolir-me. Peguei no meu telemóvel novamente.
Havia uma nova mensagem. Era da Sofia.
"Lia, desculpa. O Pedro disse-me que vocês discutiram. Por favor, não fiques zangada com ele. Ele estava só a cuidar de mim. Sabes como eu sou desastrada. Amo-te, mana."
Amo-te, mana.
As palavras eram como veneno.
Durante anos, eu tinha sido tudo para a Sofia. Mãe, pai, irmã, amiga. Depois da morte dos nossos pais num acidente de carro, eu desisti da universidade para trabalhar e cuidar dela. Garanti que ela tivesse tudo, que nunca sentisse a falta de nada.
Quando me casei com o Pedro, a primeira coisa que lhe pedi foi que a Sofia viesse morar connosco. Ele concordou. Na altura, pareceu-me um ato de bondade. Agora, via-o sob uma luz diferente, mais sinistra.
Respondi à mensagem dela.
"Onde estás?"
A resposta foi quase imediata.
"Estou em casa. O Pedro está a fazer-me um chá. O meu tornozelo dói um pouco."
Em casa. Na nossa casa. Na cama que eu partilhava com o meu marido.
"Sofia, o nosso bebé morreu."
Enviei a mensagem e esperei. O pequeno indicador de que ela estava a escrever apareceu e desapareceu várias vezes.
Finalmente, a resposta chegou.
"Oh, meu Deus. Lia. Eu sinto muito. Eu não sabia. O Pedro não me disse."
Claro que não disse.
"Eu preciso que venhas ao hospital," escrevi. "Agora."
Queria ver o rosto dela. Queria ver se conseguia encontrar alguma verdade nos seus olhos.
A espera pela sua resposta foi uma agonia. Cada segundo parecia uma hora.
"Não posso. O Pedro diz que é melhor eu ficar a descansar. Ele está preocupado que eu possa piorar. Ele vai aí ter contigo em breve."
O meu sangue gelou.
Ele não a deixava vir. Ou ela não queria vir.
Naquele momento, a pequena semente de dúvida que tinha sido plantada no meu coração começou a germinar, transformando-se numa certeza feia e retorcida.
Eles estavam juntos nisto.