Dois dias depois, recebi uma chamada da Sra. Almeida.
A sua voz era fria como gelo.
"Lia, espero que estejas satisfeita. O Pedro está destroçado."
Sentei-me no sofá do meu pai, rodeada de caixas. Estava a começar a organizar as suas coisas.
"Eu fiz o que era melhor para mim", respondi calmamente.
"Melhor para ti? E o meu filho? E a reputação da nossa família? Já tínhamos enviado os convites!"
"Pode dizer aos convidados que o noivo tinha outras prioridades."
Ouvi-a a inspirar bruscamente.
"Sua ingrata. Depois de tudo o que fizemos por ti."
"O que é que fizeram por mim? Toleraram-me porque o vosso filho me escolheu. Mas nunca gostaram de mim. Sempre fui a segunda opção, depois da Sofia."
"A Sofia é uma menina doce e frágil! Tu és... diferente. Sempre foste demasiado independente, demasiado teimosa."
"Obrigada pelo elogio."
"Isto não é um elogio! É por isso que o Pedro se sentia atraído pela Sofia. Ela precisa de proteção. Tu achas que não precisas de ninguém."
As suas palavras confirmaram tudo o que eu já sentia. Para eles, a minha força era uma falha. A minha independência era um defeito.
"Talvez eu não precise mesmo", disse eu. "Pelo menos, não de vocês."
"Vais arrepender-te. Vais acabar sozinha, Lia. Ninguém quer uma mulher como tu."
"Prefiro ficar sozinha a estar com pessoas que me fazem sentir sozinha."
Desliguei o telefone. Não lhe dei a satisfação de me ouvir chorar.
Mas as lágrimas vieram. Lágrimas de raiva, de frustração, e de uma estranha sensação de alívio.
Ela tinha razão. Eu era teimosa. E a minha teimosia ia salvar-me.
Continuei a empacotar as coisas do meu pai. Cada objeto trazia uma memória. O seu velho relógio, os seus livros de história, a sua caneca de café preferida.
Encontrei uma pequena caixa de madeira no fundo do seu armário. Dentro, havia cartas. Cartas da minha mãe para ele, de quando namoravam.
E por baixo delas, um documento legal. Um testamento.
Mas não era o testamento que eu conhecia. Era um rascunho mais antigo.
Nesse rascunho, ele deixava a maior parte dos seus bens, incluindo a casa e uma quantia significativa de dinheiro, para mim.
Mas havia uma cláusula estranha.
"Caso a minha morte ocorra antes do casamento da minha filha Lia com Pedro Almeida, uma parte substancial dos meus bens será transferida para a família Almeida, como gratidão pela sua amizade e apoio ao longo dos anos."
O meu coração parou.
O quê?