A porta do quarto abriu-se devagar, e a minha sogra, a Dona Elvira, entrou, os seus olhos varreram o quarto, pousando primeiro em mim, depois na minha mãe adormecida.
Ela não parecia uma mulher que tinha acabado de perder o neto.
O seu rosto estava tenso, mas de raiva, não de tristeza.
"O que é esta história de divórcio?" ela perguntou, a sua voz baixa e sibilante, sem sequer um "Olá" ou "Como te sentes?".
"O Tiago ligou-me, transtornado, disse que tu o ameaçaste com o divórcio, logo agora, neste momento terrível."
Olhei para ela, a mulher que eu tinha chamado de "mãe" nos últimos cinco anos.
"Ele não lhe contou que eu perdi o bebé?" perguntei, a minha voz era um fio.
"Claro que contou! E é exatamente por isso que devias ter mais juízo! O meu filho também está a sofrer! Em vez de se apoiarem um ao outro, estás a atacá-lo? Que tipo de esposa és tu?"
A sua lógica era tão distorcida que me deixou sem palavras.
"Ele não atendeu as minhas chamadas, Elvira, eu estava a morrer, o nosso bebé estava a morrer."
"Ele estava a ajudar a Sofia!" ela retorquiu, como se isso explicasse tudo, "A coitada da rapariga, sozinha no mundo, o Tiago tem um bom coração, sempre a ajudar os outros, devias ter orgulho nele, não castigá-lo por isso."
Orgulho. Eu devia sentir orgulho.
"A Sofia tem vinte e oito anos, não é uma criança indefesa, ela podia ter chamado uma ambulância," disse eu, a minha calma a começar a desfazer-se.
"E tu não podias?" ela cuspiu as palavras, "Estavas rodeada de socorristas! O Tiago fez o que qualquer homem de bem faria, ajudou quem estava mais próximo e mais desamparado!"
A sua lealdade cega ao filho era sufocante. Para ela, o Tiago era um santo, e eu, a vilã egoísta.
"Eu quero o divórcio," repeti, desta vez com mais firmeza.
Os olhos da Elvira estreitaram-se.
"Não sejas ridícula, tu amas o Tiago."
"Eu amava," corrigi, "Mas alguma coisa morreu hoje, e não foi só o meu filho."
Ela deu um passo em frente, a sua mão ergueu-se como se fosse esbofetear-me, mas depois parou.
"Vais arrepender-te disto, Ana, vais ficar sozinha e miserável, e o Tiago vai encontrar alguém que o aprecie, vais ver."
Ela virou-se e saiu, batendo a porta com força.
O barulho acordou a minha mãe.
Ela piscou os olhos, confusa, e depois a memória pareceu atingi-la.
"Ana? O bebé...?"
As lágrimas que eu tinha segurado finalmente caíram, corriam silenciosas pelo meu rosto.
Ela não precisou de mais nenhuma resposta, estendeu a sua mão e agarrou a minha, a sua força era a única coisa que me mantinha ancorada à realidade.