Os dias seguintes foram um borrão.
A minha mãe cuidou de mim como se eu fosse uma criança.
Fazia-me canjas, garantia que eu tomava os medicamentos e sentava-se em silêncio ao meu lado quando a dor se tornava insuportável.
Ela contratou um advogado, um homem chamado Dr. Almeida, de ar sério e competente.
Na primeira reunião, ele ouviu a minha história sem interrupções.
Quando terminei, ele ajustou os óculos.
"Isto é mais do que um simples divórcio por diferenças irreconciliáveis, Ana," disse ele, "Isto é abandono e crueldade emocional, temos um caso forte."
Ele explicou os procedimentos, os papéis que tínhamos de preencher, as provas que tínhamos de reunir.
"Precisamos do registo das suas chamadas para o seu marido no dia do acidente," disse ele, "E qualquer prova da presença dele com a outra senhora."
Lembrei-me da silhueta na janela.
"Eu vi-a," disse eu, "Ela estava no nosso apartamento quando a mãe dele disse que eles estavam na praia."
O Dr. Almeida anuiu.
"Isso é bom, mas difícil de provar, vamos focar-nos no que podemos documentar."
Naquela noite, não consegui dormir.
A imagem do Tiago e da Sofia juntos na nossa casa assombrava-me.
Peguei no meu portátil, o velho portátil que usava antes de me casar.
Abri o Facebook, uma coisa que não fazia há meses.
E lá estava.
O perfil da Sofia. Aberto ao público.
E a sua última publicação, de há três dias.
Uma foto.
Ela e o Tiago, a sorrir para a câmara, na sala de estar da nossa casa.
Na legenda, ela escreveu: "A cuidar do meu herói, que tem o maior coração do mundo. Obrigada por tudo, T. ❤️"
O "T" era para Tiago.
O meu herói.
O meu estômago revirou-se.
Fiz uma captura de ecrã. E outra. E outra.
Percorri o perfil dela, encontrei mais coisas.
Comentários trocados entre ela e o Tiago nos últimos meses.
Piadas internas. Elogios.
"És a melhor vizinha de sempre," escreveu ele numa foto dela.
"Tu é que és," respondeu ela, com um emoji de um piscar de olho.
Tudo debaixo do meu nariz. E eu, cega pelo amor e pela excitação da gravidez, nunca tinha visto.
A Elvira também estava lá, a comentar as fotos da Sofia.
"Que linda que estás, querida!"
"Uma menina de ouro."
Eles tinham construído uma pequena família feliz.
E eu não fazia parte dela.
Enviei tudo para o Dr. Almeida com um simples e-mail: "Acho que isto ajuda."
Senti um alívio amargo. A dor ainda lá estava, mas agora tinha um propósito.
Luta.