O cheiro de desinfetante invadiu-me as narinas quando acordei, o teto branco um lembrete cruel.\nO meu corpo doía, mas a maior dor era a de saber que a minha barriga, a um mês de dar à luz o nosso Pedro, estava vazia.\nPeguei no telemóvel, desesperada por consolo do meu marido, Tiago.\nMas quando ele atendeu, a sua voz irritada e distante foi cortada por um sussurro doce e choroso: Sofia, a nossa vizinha.\n"Tiago, onde estás?", perguntei, a raiva fria a subir-me pela espinha.
\n"Estou em casa da Sofia! Ela caiu das escadas, o cão dela entrou em pânico! Não havia nada que eu pudesse fazer por ti!"\nEle estava a consolar outra mulher porque o cão dela tremia, enquanto eu estava presa nos destroços, a perder o nosso filho.\n"Eu perdi o nosso bebé, Tiago", disse eu, a minha voz um sussurro.\nO silêncio do lado dele era ensurdecedor, quebrado apenas pela sua voz chocada: "O quê? Como assim?"\nNão havia dor, apenas surpresa, e depois a desculpa: "O meu telemóvel estava sem som, a Sofia precisava de mim!"\nSozinha. E eu? A minha mãe inconsciente, o nosso filho a morrer dentro de mim.\n"Vamos divorciar-nos", as palavras saíram antes que eu pudesse controlá-las.\n"Divórcio? Por causa disto? Não tens compaixão? A vida da Sofia é muito difícil!", ele explodiu, e depois desligou.\nNão era apenas a dor da perda, era a humilhação, a traição absoluta.\nNo meu momento mais negro, ele escolheu socorrer o cão da vizinha em vez do nosso filho.\nMas a pior parte veio depois: quando a minha sogra entrou, não para me consolar, mas para me acusar de tentar destruir o "santo" filho dela.\n"Ele levou a Sofia para a casa de praia para espairecer", disse a minha sogra, enquanto eu via a silhueta da Sofia na janela do nosso apartamento.\nFoi nesse momento que soube: não me podia dar ao luxo de chorar. Tinha de lutar.