Dois dias depois, recebemos alta.
A minha mãe, apesar de ainda fraca da sua própria cirurgia para remover estilhaços do abdómen, insistiu em tratar de tudo.
O Tiago não apareceu, não ligou.
A Elvira também não.
Era como se eu e a minha mãe tivéssemos deixado de existir no universo deles.
Quando chegámos ao apartamento que eu partilhava com o Tiago, a porta estava trancada.
Eu tinha perdido a minha chave no acidente.
Toquei à campainha. Ninguém respondeu.
Liguei ao Tiago. A chamada foi direta para o correio de voz. Ele tinha-me bloqueado.
A minha mãe, vendo o meu desespero, ligou para a Elvira.
A chamada foi atendida ao segundo toque.
"Estou?" a voz da Elvira era fria.
"Elvira, sou a Lúcia," disse a minha mãe, a sua voz calma, mas firme, "A Ana está à porta de casa e não consegue entrar, o Tiago não atende."
Houve uma pausa.
"Isso já não é problema meu," respondeu a Elvira, "A Ana quis o divórcio, agora que lide com as consequências, ela já não é da nossa família."
"Ela precisa de ir buscar as coisas dela! As roupas, os documentos!" a minha mãe insistiu, a sua voz a subir um pouco.
"O Tiago não está em casa, ele foi passar uns dias fora para espairecer, está muito abalado com tudo isto," a Elvira disse, a sua voz cheia de uma falsa simpatia, "E com o comportamento da Ana, ele precisa de espaço."
"Espaço? Onde é que ele foi?"
"Foi para a casa de praia, com a Sofia, a coitadinha precisava de mudar de ares depois do susto que apanhou."
A minha mãe ficou em silêncio. Eu, ao seu lado, senti o chão a fugir debaixo dos meus pés.
Casa de praia. Com a Sofia.
Enquanto eu estava num hospital a recuperar de ter perdido o nosso filho, ele estava na praia com outra mulher.
A minha mãe desligou o telefone, o seu rosto era uma máscara de fúria contida.
"Vamos embora, filha," disse ela, "Não vale a pena."
Ela chamou um táxi e deu a morada da sua casa, um pequeno apartamento onde eu cresci.
Enquanto o táxi se afastava, olhei para a janela do meu antigo lar.
As luzes estavam acesas.
E eu vi uma silhueta na janela. Uma silhueta feminina.
Sofia.
Ela estava lá. Eles mentiram.
Eles estavam ambos lá dentro, na casa que eu ajudei a construir, na cama que eu partilhava com o meu marido.
A dor era tão intensa que me deixou sem ar.
Não era apenas traição. Era crueldade. Pura e simples.