Sentei-me no banco frio do corredor do hospital durante horas.
Não sei quanto tempo passou. Um, dois, talvez cinco horas.
O meu corpo estava dormente, a minha mente vazia.
O telemóvel que eu tinha deixado cair começou a tocar. O ecrã iluminou o chão escuro.
Era a minha sogra, a mãe de Pedro.
Hesitei, mas atendi. Talvez Pedro lhe tivesse contado. Talvez ela estivesse a ligar para me confortar.
Assim que atendi, a sua voz aguda e zangada atacou-me.
"Lúcia! O que se passa contigo? O Pedro acabou de me ligar! Como te atreves a pedir o divórcio? Por causa de uma coisinha de nada?"
Uma coisinha de nada. A morte do meu pai era uma coisinha de nada para eles.
"A Clara é como uma filha para mim! Ela está sozinha no mundo, o Pedro tem a obrigação de cuidar dela! Tu, como esposa dele, devias apoiá-lo, não criar problemas!"
Apertei o telemóvel com força. A minha voz saiu fria como gelo.
"O meu pai morreu."
Houve um silêncio do outro lado. Um silêncio curto, desconfortável.
Depois, a voz dela voltou, mas sem qualquer pingo de simpatia.
"Oh. Bem... isso é triste. Mas as pessoas morrem. Não é desculpa para ameaçares o meu filho com o divórcio. Ele já está sob muito stress a cuidar da Clara."
Senti uma vontade súbita de rir. Um riso amargo e doloroso.
"Eu não o estou a ameaçar," disse eu, com uma calma assustadora. "Estou a informá-lo. O casamento acabou."
"Tu... tu és uma ingrata! Depois de tudo o que fizemos por ti! O teu pai ficaria desapontado com o teu comportamento egoísta!"
Desliguei a chamada. Não conseguia ouvir mais.
O meu pai.
Ele ficaria desapontado, sim. Desapontado com o homem a quem entregou a sua filha.
Fui até à janela no final do corredor. A cidade brilhava lá em baixo, indiferente à minha dor.
As pessoas viviam as suas vidas, riam, amavam, discutiam.
O meu mundo tinha parado, mas o resto do mundo continuava a girar.
O meu pai ensinou-me a ser forte. Ele ensinou-me a não depender de ninguém.
Tinha esquecido essa lição. Tinha-me tornado dependente de Pedro, do seu amor, da sua aprovação.
Agora, lembrava-me.
A dor era imensa, uma ferida aberta no meu peito. Mas por baixo da dor, uma nova força começava a crescer.
A força da raiva. A força da resolução.
Voltei para a morgue e tratei da papelada. Cada assinatura era um passo para longe da minha vida antiga.
Quando saí do hospital, já era madrugada. O ar estava frio.
Chamei um táxi.
"Para onde, senhora?"
Dei a morada da casa que partilhava com Pedro.
Tinha coisas para fazer. Tinha de fazer as malas.