A casa estava silenciosa e escura quando entrei.
Parecia a casa de um estranho. Fria, sem vida.
Acendi a luz da sala. Tudo estava no seu lugar. A fotografia do nosso casamento na parede, nós os dois a sorrir.
Parecia uma mentira.
Fui diretamente para o nosso quarto. Abri o armário e tirei uma mala de viagem.
Comecei a arrumar as minhas roupas, metodicamente, sem pensar.
Dobrei cada peça com cuidado. As minhas mãos moviam-se sozinhas.
Enquanto arrumava, os meus olhos pousaram numa caixa na prateleira de cima.
Era uma caixa de madeira, um presente do meu pai.
Dentro, estavam as minhas coisas mais preciosas. Fotografias de infância, cartas, o primeiro desenho que fiz para ele.
Peguei na caixa. Abracei-a com força.
Foi então que a porta da frente se abriu.
Pedro entrou. Ele parecia cansado e irritado.
Quando me viu com a mala, a sua expressão endureceu.
"O que estás a fazer?"
Não respondi. Continuei a arrumar as minhas coisas.
Ele aproximou-se, agarrou-me no braço. A sua mão era forte.
"Eu perguntei o que estás a fazer! Pára com este disparate!"
Olhei para ele. Pela primeira vez, vi-o claramente.
Não o homem que eu amava, mas um estranho. Um estranho egoísta e cruel.
"Larga-me," disse eu, a minha voz firme.
"Não até me dizeres que estás a brincar com esta história do divórcio. Foste demasiado longe, Lúcia."
"O meu pai morreu, Pedro."
Disse as palavras devagar, claramente.
Ele franziu o sobrolho. A sua expressão não era de choque ou tristeza. Era de aborrecimento.
"Sim, a minha mãe disse-me. Lamento. Mas isso não te dá o direito de destruir o nosso casamento."
A sua falta de emoção atingiu-me mais do que a sua raiva.
Ele não se importava. Realmente não se importava.
"Destruir o nosso casamento?" ri amargamente. "Tu destruíste-o. Quando me ignoraste. Quando escolheste a Clara em vez de mim."
"Isso não é justo! A Clara precisava de mim! Ela estava com dores!"
"E eu? Eu estava a ver o meu pai morrer! Liguei-te dezoito vezes! Dezoito! Onde estavas tu?"
Ele desviou o olhar. Não conseguia encarar-me.
"Eu... eu não sabia. Pensei que estavas a exagerar."
"Não sabias porque não quiseste saber. Era mais fácil ficar com ela."
Puxei o meu braço do seu aperto.
"Acabou, Pedro. Eu vou-me embora."
"Não vais a lado nenhum," disse ele, a sua voz a subir. "Tu pertences-me! És minha mulher!"
"Não mais."
Fechei a mala. O som do fecho a correr foi definitivo.
Peguei na mala e na caixa de madeira e caminhei em direção à porta.
Ele bloqueou-me o caminho.
"Lúcia, por favor. Vamos conversar. Podemos resolver isto."
"Não há nada para resolver. Sai da minha frente."
Ele não se moveu. Os seus olhos estavam desesperados, mas não era por amor. Era por orgulho. Ele não queria ser o homem que foi deixado.
"Eu amo-te," disse ele.
As palavras soaram ocas, falsas.
"Não, não amas. Tu amas a ideia de me teres. Amas a conveniência. Mas não me amas a mim."
Empurrei-o para o lado. Desta vez, ele deixou-me passar.
Quando cheguei à porta, olhei para trás uma última vez.
Ele estava parado no meio da sala, a olhar para mim, perdido.
"Não faças isto," sussurrou ele.
Fechei a porta atrás de mim.
E não olhei para trás.