Fui para um hotel barato nos arredores da cidade.
O quarto era pequeno e impessoal, mas era um refúgio. Era meu.
Deixei a mala no chão e sentei-me na cama. O silêncio era total.
Abri a caixa de madeira que o meu pai me deu.
Lá dentro, encontrei uma fotografia nossa. Eu era uma menina pequena, sentada nos ombros dele, a rir para a câmara. Ele parecia tão forte, tão feliz.
As lágrimas vieram finalmente, um dilúvio incontrolável.
Chorei pelo meu pai. Chorei pela minha vida desfeita. Chorei pela mulher que eu costumava ser.
Chorei até não ter mais lágrimas.
No dia seguinte, comecei a fazer planos. O funeral do meu pai era a minha prioridade.
Liguei para a agência funerária. Escolhi o caixão, as flores, a música.
Cada decisão era uma facada no meu coração, mas eu tinha de o fazer. Por ele.
Durante todo o processo, esperei uma chamada de Pedro. Uma mensagem. Qualquer coisa.
Não recebi nada.
A sua família também não me contactou. Era como se eu tivesse deixado de existir para eles.
No dia do funeral, o céu estava cinzento e chuvoso.
Um pequeno grupo de amigos e familiares do meu pai juntou-se a mim no cemitério.
Eu estava de pé, a olhar para o caixão a ser baixado à terra, quando os vi.
Pedro, a sua mãe e Clara.
Estavam parados à distância, debaixo de um grande guarda-chuva preto.
Pedro usava um fato escuro. Clara estava agarrada ao seu braço, o rosto pálido e triste. A sua mãe olhava para mim com desaprovação.
A minha primeira reação foi raiva. Como se atreviam a vir?
Depois, senti um vazio. Eles não estavam ali por mim ou pelo meu pai.
Estavam ali para manter as aparências. Para mostrar ao mundo que eram uma família solidária.
Quando a cerimónia terminou e as pessoas começaram a dispersar-se, eles aproximaram-se.
"Lúcia," disse a minha sogra, a sua voz falsamente simpática. "As nossas condolências. O teu pai era um bom homem."
Apenas assenti. Não tinha palavras para ela.
Clara deu um passo em frente, os seus olhos cheios de lágrimas de crocodilo.
"Lúcia, lamento tanto. Se eu soubesse... eu nunca teria incomodado o Pedro. A culpa é minha."
A sua voz era um sussurro de mártir. Ela estava a desempenhar o seu papel na perfeição.
Pedro ficou em silêncio, a olhar para mim. O seu rosto era uma máscara de tristeza calculada.
"Não te preocupes, Clara," disse eu, a minha voz cortante. "A culpa não é tua. A culpa é dele."
Apontei para Pedro.
"Ele fez uma escolha. E agora eu fiz a minha."
Virei-lhes as costas e afastei-me, deixando-os parados na chuva.
Não queria o seu falso luto. Não queria a sua falsa simpatia.
Eu só queria paz.