Duas horas depois, os meus sogros, Sônia e Ricardo, chegaram.
Não vieram para ver o neto. Vieram para me atacar. Miguel tinha-os chamado, claro.
Sônia entrou no quarto como um furacão, o seu rosto contorcido de raiva. Ricardo seguia-a, parecendo um guarda-costas sombrio.
Ela nem olhou para o Leo na cama. Os seus olhos fixaram-se em mim.
"Como te atreves?"
A sua voz era um silvo.
"Como te atreves a ameaçar o meu filho com o divórcio, numa altura como esta?"
Eu permaneci sentada, exausta demais para me levantar.
"Sônia, por favor, baixe a voz. O Leo está a dormir."
"Não me digas o que fazer! Tu és o problema aqui! Sempre foste egoísta. O Miguel tem um coração de ouro. Ele estava a ajudar a pobre da Sofia, que passou por tanto, e tu usas isso para o atormentar?"
Pobre da Sofia. A menina que aos 25 anos ainda precisava que o seu meio-irmão a ajudasse a procurar o seu gato no meio da noite. A menina cujos sentimentos eram mais importantes que a vida de uma criança.
"O vosso neto tem meningite. Ele quase morreu. O vosso filho não quis saber."
Ricardo falou pela primeira vez, a sua voz grave e desaprovadora.
"O Miguel disse que era apenas uma febre. Tu tens tendência para o drama, Clara. Estás a usar a doença do rapaz para manipular o nosso filho."
Eu ri. Um som seco e amargo que surpreendeu a todos, incluindo a mim mesma.
"Drama. Certo. Então, o diagnóstico de um médico especialista é drama. As convulsões do meu filho são drama. A única coisa real aqui é a necessidade da Sofia de ser o centro das atenções, e a vossa vontade de a desculpar."
Sônia deu um passo em frente, o dedo apontado para mim.
"Tu és uma esposa horrível. Ingrata. Depois de tudo o que fizemos por ti..."
"O que é que fizeram por mim?" Interrompi, a minha voz finalmente a ganhar força. "Deram-me um marido que me abandona numa emergência? Deram-me uma família que me culpa quando o meu filho está doente? Se é isso, então obrigada, mas já não quero mais."
Virei-lhes as costas, focando-me na única pessoa que importava naquele quarto.
"Saiam. Agora."
Eles ficaram chocados com o meu tom. Por um momento, ninguém se moveu. Depois, Miguel agarrou o braço da sua mãe.
"Mãe, vamos. Ela não está a raciocinar bem."
Eles saíram, deixando para trás um rasto de veneno e a certeza de que eu estava completamente sozinha nisto. E, estranhamente, isso deu-me força.