O Pedro só chegou a casa na manhã seguinte.
Ele entrou de rompante, o rosto cansado mas irritado.
"Lia, porque é que não atendeste as minhas chamadas? A minha mãe disse que te ligou."
"O teu telemóvel estava desligado. Como é que eu podia atender?"
Ele franziu o sobrolho, tirando o telemóvel do bolso. "A bateria acabou. Mas isso não é desculpa. Devias ter vindo ao hospital."
"E deixar a casa sozinha? E o nosso aniversário?"
"Aniversário?" Ele riu, um som seco e sem humor. "A Sofia estava com dores, e tu estás a falar de um aniversário? Que infantilidade. Pensei que fosses mais madura."
As palavras dele atingiram-me com força.
"Como está ela?" perguntei, tentando manter a voz estável.
"Melhor. O médico disse que foi uma entorse feia. Ela precisa de descansar. Vou ter de a ajudar nos próximos dias, ela mal consegue andar."
Ele disse aquilo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
"Ajudá-la? Pedro, tu tens um trabalho. Eu tenho um trabalho."
"Eu posso trabalhar a partir de casa dela. O chefe não se importa. A Sofia precisa de mim."
A Sofia precisa de mim.
A frase ficou suspensa no ar entre nós.
"Pedro, vamos divorciar-nos."
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse detê-las. Eu estava cansada. Cansada de ser a segunda opção.
Ele olhou para mim, chocado. Depois, a incredulidade transformou-se em raiva.
"Divórcio? Estás a brincar? Por causa disto? Porque ajudei uma amiga em necessidade? Onde está a tua compaixão, Lia?"
"A minha compaixão está aqui, Pedro. Mas está esgotada. Para ti e para ela."
"Não sejas ridícula. Estás a exagerar. A Sofia não tem ninguém aqui. Somos os únicos amigos dela."
"Eu era a amiga dela. Até ela começar a precisar do meu marido para tudo."
"Isso é injusto!" ele gritou. "Ela está a passar por um momento difícil!"
Um momento difícil. Parecia que a vida da Sofia era uma sucessão de momentos difíceis que só o meu marido podia resolver.
"Eu também estou a passar por um momento difícil, Pedro. E tu não estás aqui."
Virei-lhe as costas e fui para o quarto. Ouvi-o a praguejar na sala, mas não me importei.
A decisão estava tomada. Não havia volta a dar.