O médico tirou os óculos manchados de sangue e olhou para mim.
"Lamento, fizemos tudo o que podíamos."
A sua voz era calma, quase indiferente, como se estivesse a anunciar o tempo.
"O bebé não sobreviveu."
Eu estava deitada na cama do hospital, com o corpo dorido, mas a minha mente estava estranhamente clara.
Olhei para a minha barriga, agora vazia. Há apenas algumas horas, estava cheia de vida.
O meu marido, Pedro, não estava aqui.
Quando o meu carro foi abalroado por um camião em fuga, liguei-lhe primeiro.
A chamada tocou uma, duas, três vezes.
Finalmente, ele atendeu.
"Estou ocupado, Sofia. Fala depressa."
A sua voz era fria, distante. Ao fundo, ouvi a voz de outra mulher.
"Pedro, querido, vem depressa, o Bento não para de chorar."
Era a voz da irmã dele, a Clara. Bento era o filho dela.
"Tive um acidente," disse eu, com a voz a tremer. "Preciso de ti no Hospital Central."
Houve uma pausa.
"Quão grave é?"
"Estou a sangrar," a minha voz falhou. "O bebé..."
"O Bento está com febre alta," interrompeu ele. "A Clara está sozinha e não consegue lidar com isto. Vou levá-lo ao hospital. Pede um táxi ou chama uma ambulância. Vemo-nos mais tarde."
Ele desligou.
Não tive tempo para chamar uma ambulância. Um estranho viu o meu estado e levou-me para o hospital.
Esse estranho salvou a minha vida, mas não a do meu bebé.
O meu bebé, que eu tinha carregado durante oito meses.
O meu bebé, que era a única razão pela qual eu ainda estava casada com o Pedro.
Agora, ele tinha-se ido.
Peguei no meu telemóvel. O ecrã estava estilhaçado, mas ainda funcionava.
Abri o WhatsApp e enviei uma mensagem ao Pedro.
"O bebé morreu. Quero o divórcio."
A resposta dele chegou quase instantaneamente. Não em texto, mas numa chamada de voz.
Atendi.
"Estás a falar a sério, Sofia? Divórcio? Agora?" a sua voz estava cheia de raiva, não de tristeza.
"O meu sobrinho está doente, a minha irmã precisa de mim, e tu estás a criar drama por causa de um acidente?"
"O nosso filho morreu, Pedro."
"Foi um acidente! Acidentes acontecem! Queres que eu abandone a minha família em necessidade por algo que já não pode ser mudado?"
A minha família. Eu não fazia parte da família dele? E o nosso filho?
"Ele era a tua família também," sussurrei eu.
"Pára de ser egoísta! A Clara está a passar por um momento difícil. O Bento podia ter morrido! Tu estás bem, não estás? O hospital está a cuidar de ti. Supera isso. Falamos quando eu chegar a casa."
Ele desligou-me o telefone na cara.
Olhei para o teto branco do quarto do hospital.
Não chorei. As lágrimas não vinham.
Senti apenas um vazio frio a espalhar-se pelo meu peito, onde o meu bebé costumava estar.
O casamento tinha acabado. Tinha acabado no momento em que ele escolheu o sobrinho em vez do seu próprio filho por nascer.
A única coisa que nos unia tinha desaparecido.
Não havia mais nada para salvar.