Dois dias depois, o Pedro apareceu no hospital.
Ele não veio sozinho. A sua mãe, a Dona Helena, estava com ele.
Ela entrou no quarto primeiro, com o rosto numa máscara de desaprovação.
"Sofia, que disparate é este sobre divórcio?"
Ela nem sequer perguntou como eu estava.
Pedro ficou atrás dela, a olhar para o chão, evitando o meu olhar.
"Eu perdi o meu filho," disse eu, com a voz calma.
"E nós perdemos um neto," retorquiu ela. "Mas a vida continua. Não se deita fora um casamento por causa de uma tragédia. É egoísta."
Egoísta. Era a segunda vez que ouvia essa palavra.
"Ele não estava lá por mim," disse eu, a olhar diretamente para o Pedro. "Ele escolheu."
Pedro finalmente levantou a cabeça.
"O Bento estava com 40 de febre! Ele é uma criança, Sofia! Tu és uma adulta."
"Eu estava a sangrar na beira da estrada. O nosso filho estava a morrer dentro de mim."
"O que querias que eu fizesse?" gritou ele. "A Clara estava em pânico! Eu sou o único homem da família dela agora!"
"E o que sou eu?"
"Tu és a minha mulher! Devias entender as minhas responsabilidades!"
A sua mãe interveio, colocando-se entre nós.
"Chega. Sofia, o Pedro fez o que tinha de fazer. Família vem primeiro."
"Eu pensei que eu era a família dele," repeti eu, sentindo-me como um disco riscado.
Dona Helena suspirou, um som longo e sofrido.
"Claro que és. Mas a Clara... ela é sangue do nosso sangue. O marido dela deixou-a. Ela não tem ninguém. Tu tens a nós."
As palavras dela pairaram no ar.
Sangue do nosso sangue.
E eu? Eu era apenas a mulher. O meu filho, aparentemente, era dispensável.
"Eu quero o divórcio," disse eu novamente, desta vez com mais firmeza. "Não há nada para discutir."
O rosto do Pedro endureceu.
"Ótimo. Se é isso que queres. Mas não vais receber um cêntimo. Gastaste todo o nosso dinheiro em coisas para o bebé e na tua licença de maternidade. A casa é da minha família. Vais sair sem nada."
A sua crueldade era tão direta, tão sem adornos.
"Eu não quero o teu dinheiro," disse eu. "Eu só quero sair disto."
"Bom," disse Dona Helena, com um sorriso satisfeito. "Pelo menos és sensata numa coisa. Pedro, vamos embora. Deixa-a remoer na sua autopiedade."
Eles viraram-se e saíram do quarto, deixando-me sozinha com o eco das suas palavras.
Eles não se importavam. Nenhum deles.
A perda era apenas minha.