Dois dias depois, no funeral do meu filho, eu estava de pé junto à pequena sepultura.
O céu estava cinzento, a condizer com o meu humor. Tiago estava ao meu lado, a sua mão um peso reconfortante no meu ombro.
Ninguém da família do Leo apareceu.
Nem o Leo. Nem a sua mãe, Sofia. Nem a sua irmã, Inês.
Eles não ligaram. Não enviaram mensagens. Silêncio total.
Era como se o meu filho, o sangue deles, nunca tivesse existido.
Depois do enterro, o Tiago levou-me de volta ao apartamento que eu partilhava com o Leo.
O lugar estava escuro e silencioso.
"Tens a certeza que queres ficar aqui, Ana?", perguntou o Tiago, a preocupação gravada no seu rosto. "Podes vir ficar comigo."
"Eu preciso de ir buscar as minhas coisas, Tiago. Não posso ficar aqui mais um minuto."
Ele acenou com a cabeça, compreendendo.
Entrei no quarto. As roupas do Leo estavam espalhadas pelo chão. Um copo meio vazio estava na mesa de cabeceira. O ar cheirava a álcool e a perfume barato de outra mulher.
O meu estômago revirou-se.
Abri o meu lado do armário e comecei a meter as minhas roupas numa mala, a mover-me como um autómato.
Cada objeto era uma memória. O vestido que usei no nosso primeiro encontro. O livro que ele me deu no meu aniversário.
Peguei numa moldura na mesa de cabeceira. Era uma foto nossa, do nosso casamento. Estávamos a sorrir, a parecer felizes e cheios de esperança.
Parecia uma vida inteira atrás.
Com um movimento repentino, atirei a moldura contra a parede. O vidro estilhaçou-se, o som a ecoar no apartamento silencioso.
Tiago entrou a correr no quarto. "Ana?"
"Eu quero o divórcio", disse eu, a minha voz fria e dura. "Eu quero acabar com isto."
"Eu sei", disse ele suavemente. "E eu apoio-te."
Nesse momento, a porta da frente abriu-se com um estrondo.
Leo entrou, a tropeçar ligeiramente. Os seus olhos estavam injectados de sangue e ele parecia irritado.
"O que raio estás a fazer?", perguntou ele, a sua voz arrastada.
"Estou de saída", respondi, sem olhar para ele.
"De saída? Para onde? A festa de aniversário da Inês ainda nem acabou. Estávamos a pensar ir a um clube."
Ele não mencionou o nosso filho. Nem uma única vez.
"Leo, o nosso filho foi enterrado hoje."
Ele pestanejou, como se estivesse a tentar processar as minhas palavras.
"Ah, isso. Sim. Olha, eu sinto muito por isso, ok? Mas a vida continua."
A sua indiferença era mais dolorosa do que qualquer grito.
"A minha vida não continua contigo nela", disse eu, fechando o fecho da minha mala.
A raiva brilhou nos olhos dele. "O quê? Vais divorciar-te de mim por causa disto? Depois de tudo o que fiz por ti?"
"O que fizeste por mim, Leo? Deixaste-me sozinha para dar à luz. Deixaste-me sozinha enquanto o nosso filho morria. Deixaste-me sozinha para o enterrar."
"Eu estava ocupado! A minha família precisava de mim!"
"E eu não precisava? O teu filho não precisava?"
Ele deu um passo em minha direção, o seu rosto contorcido de raiva. "Tu és tão egoísta. Sempre a pensar em ti. A minha irmã estava a passar por um momento difícil, a sentir-se em baixo no seu aniversário!"
Ri-me, um som amargo e vazio. "A tua irmã estava a sentir-se em baixo? O meu filho estava a morrer."
Tiago deu um passo à frente, colocando-se entre nós. "Leo, acho que deves ir embora."
"Tira as tuas mãos de mim! Esta é a minha casa!", gritou o Leo, empurrando o Tiago.
"Não mais", disse eu, pegando na minha mala. "Podes ficar com ela. Podes ficar com tudo."
Passei por ele e fui em direção à porta.
Ele agarrou o meu braço. "Tu não vais a lado nenhum. Tu és minha esposa."
"Larga-a", disse o Tiago, a sua voz baixa e perigosa.
Leo ignorou-o. "Tu não me podes deixar. O que as pessoas vão dizer?"
"Eu não me importo", disse eu, arrancando o meu braço do aperto dele. "Eu não me importo com mais nada."
Saí do apartamento e não olhei para trás.