Por isso, quando o deslizamento de terra aconteceu, a minha primeira reação foi proteger a minha barriga.
O meu marido, Leo, onde estava ele?
Eu tinha-lhe ligado. Liguei-lhe mais de dez vezes.
A última vez que falámos, ele disse que estava quase a chegar a casa.
Mas depois, o deslizamento de terra bloqueou a estrada.
Liguei-lhe novamente, aterrorizada, mas ele não atendeu.
Onde estaria ele agora? Será que também ficou preso no deslizamento de terra?
O meu coração apertou-se. A ansiedade e o medo tomaram conta de mim.
Fui colocada na ambulância. A dor na minha barriga era intensa e constante.
O médico disse: "A situação é crítica, temos de fazer uma cesariana de emergência."
Assenti com a cabeça, as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.
"Por favor... salvem o meu bebé."
E depois, perdi a consciência.
Quando acordei, o quarto do hospital estava silencioso.
A minha tia, Clara, estava sentada ao meu lado, com os olhos vermelhos e inchados.
Toquei instintivamente na minha barriga. Estava plana.
Onde estava o meu bebé?
"Clara, o meu bebé... onde está o meu bebé?"
A minha voz estava rouca.
Clara agarrou a minha mão, as suas lágrimas caíram.
"Sofia... o bebé... não sobreviveu."
O mundo desabou.
Senti um vazio imenso, uma dor que nenhuma palavra pode descrever.
O meu filho. O meu filho que carreguei durante nove meses.
Tinha desaparecido.
Não conseguia chorar, apenas olhava fixamente para o teto branco.
Clara continuou, a voz a tremer.
"Sofia, o Leo... ele está bem."
Leo estava bem.
Um pequeno alívio misturou-se com a minha dor avassaladora. Pelo menos ele estava seguro.
"Onde é que ele estava? Porque é que não me atendeu o telefone?"
Clara hesitou. O seu olhar desviou-se.
"Ele... ele estava a salvar a Camila."
Camila. A minha prima. A filha do meu tio.
"O que é que a Camila tem a ver com isto?"
A minha voz era fria.
"Ela estava a passear o cão na montanha... e ficou presa pelo deslizamento de terra. O Leo foi salvá-la."
A montanha.
A montanha ficava na direção oposta à nossa casa.
Para a salvar, ele teria de ter dado a volta e conduzido pelo menos uma hora na direção contrária.
Enquanto eu estava presa no carro, a lutar pela minha vida e pela do nosso filho, ele estava a salvar outra mulher.
Uma mulher que não estava em perigo iminente.
E o cão dela.
Uma raiva fria começou a crescer dentro de mim, substituindo a dor.
"Passa-me o meu telemóvel."
A minha voz era firme.
Clara entregou-mo.
Liguei ao Leo.
Atendeu ao segundo toque.
"Sofia? Estás bem? Estava tão preocupado!"
A sua voz soava ansiosa. Que piada.
"Onde estás?" perguntei, calmamente.
"Estou no hospital com a Camila. Ela torceu o tornozelo e o cão dela, o Trovão, está em choque. O meu pai está a tratar deles. Coitadinha, ela passou por tanto."
O pai dele. O meu sogro, um veterinário.
"Leo, o nosso bebé morreu."
Silêncio do outro lado da linha. Um silêncio longo e pesado.
Depois, a sua voz, cheia de uma raiva contida.
"Sofia, o que é que estás a dizer? Não faças esse tipo de piadas agora. A Camila quase morreu!"
Eu ri. Um som seco e sem alegria.
"Não estou a brincar. O nosso filho morreu por causa do deslizamento de terra. Tiveram de me fazer uma cesariana de emergência."
"Isso é impossível!"
A sua negação era forte.
"Como é que isso pôde acontecer? Eu disse-te para ficares em casa!"
A culpa. Ele estava a tentar culpar-me.
"Vamos divorciar-nos, Leo."
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse pensar. Eram certas. Eram a única verdade que restava.
"Divórcio? Estás louca? Só porque eu salvei a minha prima? Não tens compaixão? A Camila não tem mais ninguém!"
A Camila não tinha mais ninguém? E eu? O nosso filho morto?
"Ela estava a passear um cão na montanha, Leo. Eu estava a ter o nosso filho no meio de um deslizamento de terra."
"Foi no caminho! Eu ia salvá-la e depois ia ter contigo!"
"No caminho? Leo, a casa dela fica a uma hora de distância, na direção oposta. Não me tomes por estúpida."
Ele ficou em silêncio.
"Sofia, estás a ser irracional. Estás em choque. Falamos sobre isto mais tarde. A Camila precisa de mim agora."
Ele desligou.
Desligou-me o telefone na cara.
Olhei para o telemóvel. Tentei ligar de volta.
Caixa de correio. Ele tinha-me bloqueado.
A raiva transformou-se em gelo nas minhas veias.
O meu filho estava morto. O meu marido escolheu salvar a sua prima e o cão dela em vez de mim.
E agora, ele culpava-me.
Não havia mais nada a dizer.
O divórcio não era uma ameaça. Era uma promessa.