Encontrei a Lia na sala de observação pediátrica.
Ela estava sentada numa pequena cadeira, a colorir um livro com um grande penso do Mickey Mouse no joelho.
Quando me viu, o seu rosto iluminou-se.
"Mamã!"
Corri para ela e abracei-a com força, a verificar se estava mesmo bem.
Ela riu-se. "Mamã, estás a esmagar-me! Eu só fiz um 'dói-dói'."
Sentei-me ao lado dela, o meu coração finalmente a abrandar.
"A tia Sofia magoou-se muito," disse a Lia, a apontar com o seu lápis de cera para a porta. "O papá está a cuidar dela."
A inocência dela era dolorosa.
Ela não via nada de errado. Para ela, o pai estava apenas a ser simpático.
Mas eu vi.
Vi o padrão que se tinha repetido inúmeras vezes.
Sempre que a Sofia precisava de algo, o Pedro largava tudo.
Um pneu furado, uma prateleira para montar, uma boleia para o aeroporto.
Ele estava sempre lá para ela.
Ele chamava-lhe "ser um bom amigo".
Eu chamava-lhe outra coisa.
O Pedro entrou na sala, a sorrir. "Vês? Eu disse que ela estava ótima. Estavas a preocupar-te por nada."
Ele tentou dar-me um beijo, mas eu virei o rosto.
O sorriso dele desapareceu. "O que se passa?"
"Vamos para casa," disse eu, a pegar na mão da Lia. "Já chega de hospital por hoje."
No carro, o silêncio era pesado.
O Pedro tentou quebrá-lo.
"O médico disse que a Sofia tem uma fratura. Vai precisar de usar gesso durante seis semanas."
Eu não respondi.
"Ela vive sozinha, sabes? Vai ser difícil para ela... cozinhar, limpar... fazer coisas básicas."
Continuei a olhar para a estrada.
"Talvez... talvez eu pudesse ir a casa dela de vez em quando para ajudar," sugeriu ele, hesitante.
Parei o carro no semáforo vermelho e virei-me para ele.
"Pedro," disse eu, a minha voz perigosamente calma. "Se puseres os pés na casa dela outra vez, peço o divórcio."
Ele olhou para mim, chocado. "O quê? Estás a falar a sério? Por causa disto? Eu só quero ajudar uma amiga!"
"Ela não é tua amiga, Pedro. Ela é a tua ex-namorada a quem tu não consegues dizer não."
"Isso não é verdade! Tu estás a ser irracional!"
"Estou a ser irracional? Tu ligaste-me a dizer que a nossa filha estava a correr para o hospital. Tu fizeste-me pensar que ela estava gravemente ferida. E porquê? Porque a tua ex-namorada torceu o pulso! Diz-me, Pedro, quem é o irracional aqui?"
Ele não teve resposta.
Ele apenas olhou pela janela, o maxilar cerrado.
A luz ficou verde. Eu acelerei, a deixar o hospital e a sua mentira para trás.
Mas eu sabia que não podia fugir para sempre.