"Olá, Dona Helena. Olá, Ana", disse ela com um sorriso doce. "Vim ver como estavam. O Leo disse-me que a Ana não estava bem."
A minha mãe bloqueou a entrada com o corpo. A sua expressão era de gelo. "Não precisamos da tua preocupação. Por favor, vai-te embora."
Clara pareceu magoada. "Eu só queria ajudar. Trouxe fruta. É bom para a recuperação."
"Nós podemos comprar a nossa própria fruta", respondeu a minha mãe, a sua voz cortante.
Eu levantei-me do sofá, sentindo uma raiva fria a subir. "O que é que tu queres aqui, Clara?"
Ela olhou para mim, os seus olhos a piscar inocentemente. "Ana, eu sei que estás chateada. Mas não foi culpa do Leo. Ele é uma boa pessoa. Ele só queria ajudar."
"Ajudar-te a ti", corrigi eu. "Enquanto a mulher dele estava numa mesa de operações."
"Eu não sabia!", exclamou ela, a sua voz a subir um pouco. "Se eu soubesse, nunca o teria deixado ficar!"
"Tu sabias", disse eu, calmamente. "O Leo disse-me que te contou. Ele disse que tu precisavas mais dele."
O rosto de Clara ficou pálido. Ela gaguejou. "Ele... ele exagerou. Eu estava em pânico. O fogo... foi horrível."
"O incêndio foi no centro da cidade", disse a minha mãe, intervindo. "A tua casa fica a quilómetros de distância, na direção oposta. O que estavas a fazer lá?"
Clara ficou sem palavras. Ela olhou da minha mãe para mim, o seu ar de vítima a desmoronar-se.
"Eu... eu estava a visitar uma amiga", disse ela finalmente, mas a sua voz não tinha convicção.
"Clara, vai-te embora", disse eu, cansada deste jogo. "Não queremos ver-te. Nunca mais."
Lágrimas brotaram nos seus olhos. "Vocês estão a ser tão injustas. Eu não fiz nada de mal. O Leo e eu somos apenas amigos."
"Amigos que fazem com que um homem abandone a sua mulher doente?", a minha mãe riu-se sem humor. "Que tipo de amizade é essa?"
Clara abriu a boca para responder, mas não saíram palavras. Ela deixou o cesto de fruta no chão, virou-se e foi-se embora a correr.
A minha mãe fechou a porta com força.
"A lata dela", murmurou ela, abanando a cabeça.
Voltámos para a sala de estar. O episódio tinha-me deixado exausta. Sentei-me e fechei os olhos.
Mais tarde, o meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido. Hesitei, mas atendi.
"Ana?"
Era a voz de Leo. Parecia tensa.
"O que queres?"
"Porque é que foste tão rude com a Clara? Ela só foi aí para ser simpática. Ela está a chorar, a sentir-se culpada."
Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir. "Ela devia sentir-se culpada. E tu também."
"Eu não fiz nada de mal! Eu salvei-a!"
"E a mim? Quem é que me salvou a mim, Leo? A minha mãe. A minha mãe deu-me um rim enquanto o meu marido estava a consolar outra mulher."
"Tu estás a exagerar! A tua mãe ia fazer isso de qualquer maneira! E a tua cirurgia correu bem, não correu? Então qual é o problema?"
A sua falta de remorso era sufocante. Era como falar com uma parede.
"O problema, Leo, é que tu não te importas. Nunca te importaste. Só te importas contigo mesmo e com a imagem que projetas para o mundo. O herói."
"Isso não é verdade!", ele gritou. "Eu amava-te!"
"Não, não amavas. Talvez gostasses da ideia de me teres, a mulher doente que dependia de ti. Mas no momento em que precisei de ti a sério, tu falhaste. Falhaste de forma espetacular."
"O nosso divórcio é final", continuei, a minha voz firme. "Não me ligues mais. Não peças aos teus amigos para me visitarem. Fica longe de mim e da minha mãe."
Desliguei antes que ele pudesse responder. Bloqueei o número dele.
Senti um nó no estômago, mas também uma estranha sensação de poder. Tinha dito tudo o que precisava de ser dito. A porta para essa parte da minha vida estava finalmente fechada.