Um dia, recebi um e-mail do advogado de Leo. Era sobre a divisão de bens. O nosso apartamento, que tínhamos comprado juntos, precisava de ser vendido ou um de nós teria de comprar a parte do outro.
O apartamento estava cheio de memórias, boas e más. A ideia de voltar para lá, mesmo que apenas para fazer as malas, era dolorosa.
Liguei ao advogado. "Eu não quero o apartamento. Podem vendê-lo. Só quero as minhas coisas pessoais."
"A Sra. Martins... desculpe, a Sra. Santos", corrigiu-se o advogado, "tem direito a metade do valor do imóvel."
"Eu sei. Podem transferir a minha parte para a minha conta depois da venda. Só me avisem quando posso ir buscar as minhas roupas e livros."
Organizei com o advogado para ir ao apartamento no sábado seguinte, quando sabia que Leo não estaria lá. Ele tinha dito que estaria fora da cidade num "retiro de trabalho".
Quando cheguei, a chave ainda funcionava. Abri a porta e o cheiro familiar do lugar atingiu-me. Era uma mistura do meu perfume e do aftershave dele. O meu coração apertou.
O apartamento estava impecavelmente limpo. Demasiado limpo. Havia flores frescas num vaso na mesa de centro – lírios, as flores preferidas de Clara.
Uma sensação de náusea subiu pela minha garganta.
Fui rapidamente para o nosso quarto. Abri o guarda-roupa para tirar as minhas roupas. E foi aí que vi.
As minhas roupas tinham sido empurradas para um canto. A maior parte do espaço estava agora ocupada por vestidos, saias e blusas que eu não reconhecia. Roupas do tamanho e estilo de Clara.
Abri a gaveta da mesa de cabeceira do meu lado da cama. Os meus livros e cremes tinham desaparecido. Em seu lugar, havia um romance lamechas e um frasco de perfume caro, o mesmo que Clara usava no dia em que apareceu à nossa porta.
Ela tinha-se mudado para lá.
A raiva que senti foi tão intensa que me deixou tonta. Ele nem sequer esperou que o divórcio fosse finalizado. Ele nem sequer esperou que eu tirasse as minhas coisas. Ele simplesmente substituiu-me, como se eu nunca tivesse existido.
Comecei a arrancar as minhas roupas do guarda-roupa, enfiando-as em sacos do lixo com fúria. As minhas mãos tremiam.
Enquanto esvaziava a minha gaveta, algo caiu no chão. Era um pequeno caderno de notas de couro que eu tinha oferecido a Leo no nosso primeiro aniversário de casamento.
Peguei nele, com a intenção de o atirar para o lixo. Mas a curiosidade foi mais forte. Abri-o.
As primeiras páginas estavam cheias da caligrafia dele, planos de trabalho, listas de tarefas. Mas depois, a caligrafia mudou. Era mais apressada, mais emocional.
Eram entradas de diário.
"15 de abril. Encontrei a Clara hoje no café. O sorriso dela ilumina a sala. Faz muito tempo que não me sentia assim."
"2 de maio. A Ana está cada vez mais doente. Sinto-me sufocado. A culpa está a matar-me. Mas com a Clara, sinto-me vivo. Sinto-me como um homem, não como um cuidador."
"28 de maio. A Clara disse-me que me ama. O meu coração quase explodiu. Eu também a amo. Mas como posso deixar a Ana? Ela não sobreviveria sem mim."
Continuei a ler, página após página de enganos e traição. Ele tinha um caso com ela há meses, muito antes do incêndio. O incêndio não foi o início de nada. Foi apenas a desculpa perfeita.
A última entrada era de dois dias antes da minha cirurgia.
"O hospital ligou. Encontraram um dador para a Ana. Isto devia ser uma boa notícia, mas o meu estômago está a dar voltas. Isto significa que ela vai ficar bem. E se ela ficar bem, já não vai precisar de mim. E se ela não precisar de mim, não terei mais desculpas para não a deixar. A Clara diz que devíamos ficar juntos. Ela tem razão. A minha vida com a Ana acabou. Só preciso de coragem para lhe dizer."
Fechei o caderno. O ar tinha sido completamente sugado dos meus pulmões.
A doença não era o que me prendia a ele. Era o que o prendia a mim. A minha fraqueza era a sua desculpa, a sua justificação para ser um mártir aos olhos do mundo enquanto vivia uma vida dupla.
A minha recuperação não era uma bênção para ele. Era uma complicação.
Deixei o diário aberto na cama, bem à vista. Peguei nos meus sacos e saí do apartamento sem olhar para trás.
Quando fechei a porta, não senti dor. Não senti tristeza.
Senti apenas um nojo profundo e uma clareza gelada.
O divórcio não era o fim de uma história de amor. Era a minha libertação de uma mentira.