O quarto cheirava a lixívia e a cigarros velhos, mas tinha duas camas limpas e uma porta que se trancava.
Era o paraíso.
Carreguei um Leo a dormir para dentro do quarto e deitei-o numa das camas. Ele nem se mexeu.
Sentei-me na outra cama e olhei para o meu filho. A sua cara pacífica, as suas longas pestanas a repousar nas suas bochechas.
Uma onda de amor tão feroz atingiu-me que me deixou sem fôlego.
Eu tinha feito a coisa certa.
O meu telemóvel vibrou na minha bolsa. Era o Pedro.
Ignorei.
Vibrou de novo. E de novo. Mensagens de texto a chegar.
"Ana, onde estás? Estás segura?"
"Por favor, atende. Estou preocupado."
"Volta para casa. Podemos conversar."
"A Sofia estava errada. Eu preciso de ti. O Leo precisa de nós juntos."
A última mensagem fez-me hesitar.
Será que ele estava a ser sincero? Ou estava apenas a dizer o que achava que eu queria ouvir?
Lembrei-me da cara dele quando gritou comigo por causa do bolo. Lembrei-me de como ele ignorou o nosso filho.
Apaguei as mensagens e desliguei o telemóvel.
Na manhã seguinte, acordei com o som da televisão.
O Leo estava sentado na ponta da cama, a ver desenhos animados, completamente feliz.
"Bom dia, dorminhoco," eu disse, a espreguiçar-me.
"Mamã, estou com fome," ele anunciou.
O motel oferecia um pequeno-almoço continental gratuito. Fomos para a pequena área de refeições e comemos waffles de uma máquina e cereais de caixas pequenas.
Para o Leo, era a maior aventura de sempre.
"Podemos viver num hotel para sempre?" ele perguntou, com a boca cheia de waffle.
Ri-me. "Não para sempre, meu amor. Mas por um tempo."
Depois do pequeno-almoço, liguei o meu telemóvel.
Havia dezenas de chamadas perdidas. Do Pedro, da Helena, até de alguns dos nossos amigos em comum.
Havia uma mensagem de voz da Helena.
Hesitei, depois carreguei em play.
"Ana, sou eu, Helena," a sua voz era surpreendentemente calma. "O Pedro contou-me o que aconteceu. Eu... eu acho que talvez tenhamos sido um pouco duros contigo. A Sofia pode ser um pouco dramática."
Fiquei chocada.
"O Pedro está um caos," continuou ela. "Ele não dormiu nada. Ele só quer que tu e o meu neto voltem para casa. Por favor, liga-lhe. Pelo bem da família."
A mensagem terminou.
Senti um pingo de culpa. Estaria eu a ser demasiado dura? A destruir a minha família por orgulho?
Então, o meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido.
Atendi com cautela. "Estou?"
"É a Ana, a mulher do Pedro?" perguntou uma voz de mulher.
"Sim, sou eu. Quem fala?"
"O meu nome é Carla. Eu sou... eu era a namorada do Tiago."
O ex-namorado da Sofia.
Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer.
"Olha, eu sei que isto é estranho," disse ela, a sua voz apressada. "Mas o Tiago contou-me o que a Sofia vos disse. Que ele a deixou, que ele foi horrível para ela."
"Sim, foi isso que ouvimos," eu disse, o meu coração a começar a bater mais depressa.
"É mentira," disse a Carla. "Fui eu que terminei com ele. Porque o apanhei a trair-me."
Fiquei sem ar.
"Ele estava a trair-me... com a Sofia."