Cicatrizes de Concreto
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Capítulo 1

O barulho da broca de impacto ecoou pelo meu crânio, mais alto do que o trovão lá fora.

Eu estava presa debaixo de uma viga de concreto, com a perna direita esmagada.

Chovia torrencialmente, e a água gelada subia rapidamente, já me chegando à cintura.

O meu telemóvel estava a poucos centímetros de distância, com o ecrã estilhaçado mas ainda a funcionar.

Com a mão a tremer, disquei o número do meu marido, Pedro.

A chamada foi atendida quase instantaneamente.

Mas não foi a voz dele que ouvi.

"Cunhada, o Pedro está a conduzir, não pode atender agora. O que se passa?"

Era a voz da minha cunhada, Sofia. O tom dela era leve, quase alegre.

Tentei falar, mas a dor na minha perna era tão intensa que só consegui soltar um gemido.

"Alô? Estás aí? Se não é nada importante, vou desligar. Estamos quase a chegar ao hospital."

Hospital?

"Aconteceu alguma coisa?", consegui perguntar, com a voz rouca.

"Oh, não é grande coisa", disse ela, com uma risada abafada. "É só o meu cão, o Trovão, que comeu chocolate por engano. O Pedro está super preocupado, coitadinho. Insistiu em levá-lo ao veterinário de urgência."

O meu mundo parou.

"Sofia", disse eu, com a respiração ofegante. "Eu... eu estou presa. O prédio onde eu estava a fazer a vistoria... desabou."

Silêncio do outro lado da linha.

Depois, ouvi a voz do meu marido ao fundo, impaciente. "Sofia, o que foi? Passa-me o telemóvel."

"Pedro!", gritei, usando toda a força que me restava. "Ajuda-me! Estou presa no estaleiro da Rua das Flores! O prédio ruiu!"

A resposta dele foi fria como o aço.

"Helena, para de fazer drama. Estás a brincar numa altura destas? Estou ocupado."

"Não estou a brincar!", a minha voz falhou, misturando-se com o som da chuva. "A minha perna está esmagada, a água está a subir!"

"Já te disse que estou ocupado! O Trovão está a passar mal! Liga para os bombeiros, eles são pagos para isso."

E desligou.

O som do "tu-tu-tu" foi mais devastador do que o barulho do desabamento.

Olhei para a minha perna, presa sob o concreto. A água suja já me chegava ao peito.

Eu ia morrer aqui.

O meu marido, o homem com quem partilhei a cama durante cinco anos, escolheu salvar o cão da irmã em vez de mim.

A ironia era amarga. O cão chamava-se Trovão, e a tempestade que me estava a matar parecia uma piada cruel do destino.

Desmaiei.

            
            

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