Dois dias depois, o Pedro apareceu.
Entrou no quarto como se estivesse a entrar num café. Trazia um ramo de flores baratas.
"Então, como te sentes?", perguntou ele, evitando olhar para a parte de baixo da minha cama.
Não respondi. Apenas o encarei.
Ele pigarreou, desconfortável. "Olha, lamento o que aconteceu. Foi um dia de loucos, a Sofia estava em pânico e eu..."
"Estavas ocupado", completei, com a voz gélida.
Ele franziu a testa. "Não comeces, Helena. Não foi de propósito. Como é que eu podia adivinhar que o prédio ia mesmo desabar?"
"Eu disse-te", a minha voz era baixa, mas firme. "Eu gritei por ajuda. Tu desligaste-me o telefone na cara."
"Eu pensei que estavas a exagerar! Tu fazes sempre isso!", ele elevou a voz. "Fazes uma tempestade num copo de água por tudo e por nada!"
A minha mãe, que estava sentada num canto, levantou-se. "Como te atreves a falar assim com ela? A minha filha perdeu uma perna por tua causa!"
A minha sogra, Laura, que tinha entrado atrás do Pedro, interveio.
"Oh, por favor! Não culpem o meu filho! Ele também sofreu muito com isto tudo. O stresse foi enorme!"
Ela olhou para mim com desdém. "Além disso, Helena, tens de entender. O Trovão é como um filho para a Sofia. E o Pedro tem um coração enorme, não consegue ver um animal a sofrer."
Um filho.
O cão era como um filho.
E eu? Eu era o quê?
"Eu quero o divórcio, Pedro", disse eu, calmamente.
O rosto dele ficou vermelho de raiva. "Divórcio? Estás a brincar? Depois de tudo o que eu fiz por ti? Vais deitar fora cinco anos de casamento por causa de um mal-entendido?"
"Um mal-entendido que me custou a perna", retorqui.
"Isso foi um acidente!", gritou a Laura. "Acidentes acontecem! Devias estar grata por estares viva, em vez de seres tão ingrata e egoísta!"
Egoísta.
Eu era a egoísta.
"Saiam", disse eu, a minha voz a tremer de uma fúria fria. "Saiam do meu quarto. Agora."
"Não vamos a lado nenhum!", disse o Pedro, aproximando-se da cama. "Vamos resolver isto como adultos. Não podes tomar uma decisão tão séria quando estás neste estado emocional."
"O meu advogado vai entrar em contacto contigo", disse eu, virando o rosto para a janela. "A conversa acabou."