O barulho da broca de impacto ecoava pelo meu crânio, mas o estrondo que veio a seguir foi o do meu mundo a desabar.
Presa debaixo de uma viga de concreto, com a perna esmagada, e a água da tempestade a subir rapidamente.
O meu telemóvel, com o ecrã estilhaçado, ainda funcionava.
Com a mão trémula, disquei o número do Pedro, o meu marido.
A voz da minha cunhada atendeu, leve, quase alegre: "O Pedro está a conduzir. O que se passa?"
Consegui balbuciar que o prédio onde eu estava tinha desabado, que estava presa.
Então ele veio ao telefone.
Gritei: "Pedro! Ajuda-me! Estou presa no estaleiro! O prédio ruiu!"
A resposta dele foi fria como o aço.
"Helena, para de fazer drama. Estou ocupado. O Trovão está a passar mal."
"A minha perna está esmagada, a água está a subir!"
"Liga para os bombeiros, eles são pagos para isso."
E desligou.
O som do "tu-tu-tu" foi mais devastador que o desabamento.
Escolheu salvar o cão da irmã em vez de mim.
A ironia amarga: o cão chamava-se Trovão, e a tempestade que me matava era uma piada cruel.
Quando acordei, a minha perna tinha desaparecido.
Amputada.
E ele? A sua "preocupação" era com o cão.
Vi a foto da minha cunhada nas redes sociais: Pedro abraçando o Trovão, legenda "O meu herói!".
Enquanto eu perdia a perna, ele "recuperava do susto".
Perdi a perna, mas ele perdeu o meu coração.
Eu não queria o dinheiro dele.
Eu queria justiça.
E o meu advogado tinha uma surpresa para ele: a gravação da minha chamada aos bombeiros e o registo do GPS do carro dele.
Ele podia ter chegado a tempo.
Mas não se importou.
Eu ia provar que a minha vida valia mais do que o desconforto de um animal.
E que a minha força não se media em pernas, mas na capacidade de me levantar.
Eu era a Helena.
E ele ia pagar por ter escolhido o Trovão.