O médico disse que o meu bebé morreu de asfixia.
A placenta desprendeu-se demasiado cedo, e eu perdi muito sangue.
Quando acordei, a primeira coisa que vi foi o teto branco do hospital.
O meu marido, Pedro, não estava lá.
A minha sogra, a Dona Laura, também não estava.
A única pessoa ao meu lado era a minha mãe, que parecia exausta e tinha os olhos vermelhos.
Ela segurou a minha mão.
"Lia, está tudo bem agora."
Eu olhei para a minha barriga, agora vazia e flácida sob o lençol.
Não chorei.
Apenas senti um vazio imenso.
Peguei no telemóvel para ligar ao Pedro.
A minha mão tremia tanto que quase o deixei cair.
A chamada demorou a ser atendida. Quando ele finalmente atendeu, a sua voz estava cheia de irritação.
"O que foi agora, Lia? Estou ocupado!"
Ao fundo, ouvi a voz da minha cunhada, a Sofia.
"Pedro, o Bolinha não quer comer. Estou tão preocupada. O veterinário disse que ele está muito stressado."
Bolinha era o cão da Sofia.
A voz do Pedro suavizou-se imediatamente.
"Não te preocupes, querida. Eu estou aqui. Vamos dar-lhe o remédio juntos. Ele vai ficar bem."
A minha voz saiu como um sussurro.
"Pedro, o nosso bebé..."
Ele interrompeu-me bruscamente.
"Lia, agora não! Já não basta a Sofia estar a passar por um mau bocado? O cão dela quase morreu atropelado! Tive de correr para a clínica veterinária. Não podes ter um pouco de compaixão?"
Compaixão.
Eu estava numa cama de hospital.
O nosso filho, que esperei durante três anos, estava morto.
E ele pedia-me para ter compaixão pelo cão da irmã dele.
"Pedro, vamos divorciar-nos."
Houve um silêncio do outro lado.
Depois, a sua raiva explodiu.
"Divórcio? Ficaste maluca? Só porque eu fui ajudar a minha irmã? Ela é a minha única família, além da mãe! Ela estava em pânico!"
"E eu?", perguntei, a minha voz finalmente a ganhar um pouco de força. "E o teu filho?"
"O que tem o bebé? O médico já não disse que foi um acidente? Acidentes acontecem! Queres culpar-me por isso? És egoísta, Lia. Só pensas em ti mesma."
Ele desligou.
Desligou-me o telefone na cara.
Tentei ligar de volta.
O número estava bloqueado.
Ri. Foi um som seco, sem alegria.
A minha mãe pegou no telemóvel e olhou para o ecrã.
"Ele bloqueou-te?"
Eu assenti.
"Vou ligar-lhe", disse ela, furiosa.
"Não vale a pena, mãe. Acabou."
Se o meu filho estivesse vivo, eu talvez lutasse. Talvez tentasse perdoar.
Eu não queria que ele crescesse sem pai.
Mas agora não havia mais nada.
A única coisa que nos ligava desapareceu.
Continuar neste casamento seria uma tortura diária.
Ajudar a Sofia?
A clínica veterinária ficava a uma hora de carro na direção oposta ao hospital para onde a ambulância me estava a levar.
Eu liguei-lhe. Liguei-lhe vinte e três vezes enquanto sangrava na ambulância.
Cada chamada não atendida era uma facada no meu peito.
Ele não se importou.
Ele escolheu o cão da irmã em vez do seu próprio filho.
De repente, o telemóvel da minha mãe tocou.
Era a Dona Laura, a minha sogra.
A minha mãe atendeu, colocando no altifalante.
A voz da Dona Laura era estridente e acusadora.
"Helena! Que raio de filha é que tu criaste? O Pedro acabou de me ligar, a chorar! Ela quer o divórcio! Porquê? Porque o meu filho é um bom irmão e foi ajudar a Sofia?"
"O seu neto morreu, Laura!", a minha mãe gritou, a sua calma a desaparecer.
"Foi um acidente! Estas coisas acontecem! A Lia é jovem, pode ter outros! A Sofia só tem o Pedro e a mim! A Lia quer destruir a nossa família por causa de um capricho egoísta!"
Capricho egoísta.
O meu filho morto.
Um capricho.
Fechei os olhos.
A decisão estava tomada.
Não havia volta a dar.