A notificação do divórcio chegou ao Pedro.
A reação foi imediata.
Ele ligou-me de um número diferente.
"Lia, que raio estás a fazer? Uma advogada? Estás a tentar tirar-me dinheiro?"
A sua voz não era zangada. Era incrédula.
Como se eu não tivesse o direito de me defender.
"Eu só quero o que é meu, Pedro. Metade do apartamento e as minhas coisas."
"Metade do apartamento? Eu paguei por ele!"
"Com o dinheiro que ganhámos juntos. Chama-se casamento, Pedro. Devias ter pensado nisso antes de me deixares a sangrar enquanto ias salvar um cão."
Ele ficou em silêncio por um momento.
"Isso não foi justo, Lia. Eu entrei em pânico."
"Eu também entrei em pânico. E o nosso filho morreu."
A menção ao nosso filho pareceu finalmente atingi-lo.
A sua voz ficou mais baixa.
"Lia, eu... eu sinto muito pelo bebé."
"É tarde demais para isso, Pedro. Muito tarde."
"Podemos resolver isto sem advogados? Por favor. A minha mãe está muito doente com todo este stress."
A Dona Laura. Sempre a Dona Laura.
"A tua mãe pareceu-me bem quando ligou à minha mãe para me insultar."
"Ela está apenas a proteger o seu filho. É o que as mães fazem."
"A minha mãe também. E eu estou a proteger-me a mim mesma. A tua advogada vai falar com a minha, Pedro. Não me voltes a ligar."
Desliguei.
Senti-me poderosa.
Ele estava com medo.
Dois dias depois, a Dra. Campos ligou-me.
"Boas notícias, Lia. O juiz concedeu a ordem de restrição. O Pedro não se pode aproximar de si a menos de 200 metros. E também temos uma ordem para recuperar os seus bens. Um oficial de justiça vai acompanhá-la ao apartamento amanhã."
Senti um alívio imenso.
"Obrigada, Dra. Campos. Muito obrigada."
"É o meu trabalho. Esteja pronta amanhã às 10h."
Na manhã seguinte, encontrei-me com o oficial de justiça, um homem corpulento e sério, à porta do meu antigo prédio.
A minha mãe estava comigo.
O oficial bateu à porta.
O Pedro abriu.
Quando me viu com o oficial, o seu rosto ficou pálido.
"O que é isto?"
O oficial entregou-lhe os papéis.
"Ordem judicial. A Senhora Matos veio buscar os seus pertences pessoais."
O Pedro olhou para mim com ódio puro nos olhos.
A Sofia apareceu atrás dele, parecendo assustada.
"Não podem entrar. Esta é a minha casa."
O oficial olhou para ele com indiferença.
"Senhor, se não cooperar, serei forçado a chamar a polícia para o prender por obstrução à justiça."
O Pedro recuou, derrotado.
Entrámos.
O apartamento estava uma confusão.
Mas no quarto de hóspedes, encontrei tudo.
As minhas roupas, os meus livros, as minhas fotos.
Tudo amontoado em caixas, como lixo.
No topo de uma caixa, estava o meu roupão de seda.
Peguei nele e olhei para a Sofia.
Ela desviou o olhar, envergonhada.
Comecei a levar as caixas para o corredor.
A minha mãe ajudou-me.
Quando estávamos a pegar na última caixa, vi-o.
O pequeno sapatinho de lã azul que eu tinha tricotado.
Tinha caído no chão.
Abaixei-me para o apanhar.
As minhas mãos tremiam.
O Pedro olhou para o sapatinho.
Pela primeira vez, vi algo nos seus olhos.
Não era raiva.
Era dor.
Mas desapareceu tão rápido como apareceu.
"Já acabaste?", perguntou ele, a voz fria.
Levantei-me, segurando o sapatinho com força.
"Sim. Acabei."
Saí daquele apartamento sem olhar para trás.