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Quando Eu Te Esquecer

schaanafockink
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Capítulo 1 1

Noah Bennett detestava atrasos. Detestava multidões, ruídos em excesso e qualquer coisa que não pudesse ser medida com precisão.

Por isso, não tinha ideia do que estava fazendo naquela noite de sexta-feira em um galpão artístico no Brooklyn, rodeado por pessoas com taças de vinho barato nas mãos e conversas que soavam mais como ecos do que como diálogos.

- O que te trouxe aqui mesmo? - perguntou Elias, seu colega de residência e atual melhor desculpa para sair da bolha hospitalar.

- Aparentemente, culpa.

- Culpa?

- Você disse que queria apoio moral. Aqui estou. Moral.

Elias riu.

- Você é a pessoa menos artística que eu conheço.

- E você é o médico mais perdido que já vi. Acho que estamos empatados.

A exposição era coletiva, com obras penduradas de forma irregular, paredes nuas e iluminação que mais criava sombras do que destacava os quadros. E ainda assim... havia algo naquele espaço que incomodava e encantava Noah ao mesmo tempo.

Seus olhos vagaram até uma tela de grandes proporções no fundo da sala, cercada por menos gente do que as outras. Era feita de traços soltos, caóticos, em cores quentes e camadas sobrepostas que pareciam vivas. No canto inferior, uma assinatura discreta: C. Rivera.

Ele se aproximou, curioso. A tela parecia em movimento. Não fazia sentido, e ainda assim, fazia todo.

- Você está vendo certo. Ela pintou com as mãos.

A voz veio do lado. Suave, com uma pitada de ironia.

Quando Noah virou, encontrou uma mulher com os cabelos presos num coque bagunçado, manchas de tinta nos dedos, e um brilho no olhar que o fez esquecer, por um segundo, qualquer resposta.

- Você é a artista?

- Depende. Se você odiou, posso dizer que sou só a assistente.

- Eu não odiei.

- Que sorte a minha.

Ela estendeu a mão com naturalidade.

- Clara.

- Noah.

- Nome curto. Olhar contido. Você é engenheiro?

- Neurocirurgião.

Ela arqueou uma sobrancelha.

- Ok. Pior.

- Pior?

- Gente que abre cabeças normalmente não entende abstrações.

Ele sorriu pela primeira vez naquela noite.

- Talvez eu esteja aqui justamente pra aprender.

O encontro durou menos de dez minutos, mas deixou um rastro longo demais pra ser ignorado. Na manhã seguinte, Noah ainda se lembrava do jeito que ela falava com as mãos, do riso fácil, e da forma como o olhar dela parecia atravessar o espaço como se tivesse pressa de sentir tudo.

Na segunda-feira, voltou ao hospital e mergulhou em horas de plantão, exames, diagnósticos, bisturis. Mas no intervalo entre uma cirurgia e outra, procurou pelo nome dela online.

Clara Rivera. Estudante de arte, 28 anos. Exposições independentes. Latina. Mora em Nova York há três anos.

Tinha um blog desatualizado com frases soltas e imagens de quadros inacabados. E uma entrevista breve onde dizia:

"Pinto pra lembrar que tô viva. Pinto pra não esquecer que, se a vida não for intensa, não me serve."

O reencontro aconteceu no fim daquela mesma semana.

E dessa vez, foi Noah quem se aproximou. Clara estava sentada no chão da galeria, limpando pincéis e reorganizando telas. Havia tinta nos joelhos e uma caneca fumegante de café ao lado. Ela olhou pra ele sem surpresa, como se já soubesse que ele voltaria.

- Sabe que médicos não costumam voltar pra cena do crime, né?

- Esse não é um crime.

- É um risco, no mínimo.

- Eu aceito.

Ela o observou por um instante. Depois apontou para uma tela em branco encostada na parede.

- Vai pintar?

- Eu não sei como.

- Ainda bem. Se soubesse, ia pintar o que já espera. E arte não tem a ver com controle.

E foi assim, em encontros despretensiosos, que a rotina deles começou a se entrelaçar.

Ele, com seus horários rígidos, começou a encontrar pequenos vãos no tempo para passar por ali. Às vezes só observava. Outras, sentava no chão com ela e ficava ouvindo as histórias por trás de cada quadro, cada rascunho. Clara falava com paixão. Noah escutava com uma fome nova.

Ela dizia que ele era sério demais. Ele dizia que ela se perdia fácil demais.

Ela ria quando ele tentava planejar até um café. Ele suspirava quando ela mudava de ideia no meio de uma frase.

E ainda assim, havia uma paz estranha quando estavam juntos. Como se fossem opostos que não se anulavam - se completavam.

Na terceira semana, ele a levou ao seu lugar favorito: uma pequena livraria de rua em West Village. Não havia arte nas paredes, nem música no ar, mas Clara andou entre os livros como se estivesse numa galeria silenciosa.

Foi ali que ela encontrou uma edição antiga de Cartas a um Jovem Poeta.

- Gosto de coisas que parecem que já foram amadas por alguém - disse, passando os dedos na capa desgastada.

Noah comprou o livro sem que ela visse. E naquela mesma noite, colocou um bilhete dentro dele antes de entregar.

"Você fala com o mundo como se ele ainda pudesse mudar.

E por sua causa, talvez possa."

Era início de novembro quando Clara percebeu que estava apaixonada.

Foi numa madrugada qualquer, quando ele chegou exausto, com as olheiras fundas, e caiu no sofá do ateliê sem dizer uma palavra. Ela não falou nada. Só sentou ao lado, encostou a cabeça no ombro dele e ficou ali.

Sem pressa. Sem distração.

Sem medo.

E no silêncio confortável daquela cena, ela soube.

O amor tinha entrado sem pedir licença.

Noah não disse que a amava com palavras. Ele não era esse tipo.

Mas deixava o guarda-chuva dela sempre ao lado da porta.

Trocava as lâmpadas queimadas do ateliê.

Fazia café antes das aulas dela.

Anotava frases soltas que ela dizia e colava no espelho.

E numa manhã qualquer, Clara encontrou uma dessas frases escritas à mão numa folha solta:

"Você me lembra do que é não querer fugir."

Ela prendeu a folha na parede com fita adesiva colorida.

E ficou olhando por alguns minutos.

Como se aquele pedaço de papel dissesse mais do que qualquer declaração.

O tempo passou rápido - e lento, ao mesmo tempo.

Como acontece quando o amor ocupa espaço entre as rotinas.

Eles se tornaram isso: rotina com intensidade. Cotidiano com poesia.

E então... algo começou a mudar no ar.

Mas isso... é capítulo pra depois.

            
            

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