A voz do meu sogro ecoou no corredor silencioso.
"Um drama por nada?"
A minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
"O seu neto vai perder a perna, e o senhor chama a isso um drama?"
Ele bufou do outro lado da linha. "Ele é um rapaz. Tem de ser forte. Chorar não resolve nada. Tu estás a mimá-lo demasiado, é esse o problema. A minha Sofia, coitadinha, está traumatizada com o desaparecimento do Mimo, mas está a ser mais corajosa que ele!"
Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir.
A comparação era tão absurda, tão cruel, que por um momento fiquei sem palavras.
"Pedro, o seu neto de sete anos está prestes a passar por uma amputação. Ele não está a chorar por um brinquedo perdido."
"Besteira! É só uma perna. Ele tem outra. Antigamente, os homens iam para a guerra e perdiam muito mais. Tu e a tua família são uns fracos. Sempre a fazerem-se de vítimas."
Ele desligou o telefone na minha cara.
Fiquei a olhar para o ecrã escuro, o meu peito apertado.
A família Patterson. Onde a imagem era tudo, e a empatia era uma moeda rara, reservada apenas para os seus.
Voltei para o quarto do Leo. Ele ainda dormia, o rosto pálido sob a luz fraca do hospital. A sua perna estava coberta por um lençol, mas a forma do ferimento era visível.
Sentei-me na cadeira ao lado da cama dele, a minha mão encontrou a dele. Estava tão pequena e fria.
As palavras do meu sogro queimavam na minha mente. "Fraco". "Drama".
O meu filho não era fraco. Ele era a criança mais corajosa que eu conhecia.
As horas passaram lentamente. A noite deu lugar a uma manhã cinzenta.
O médico entrou, o seu rosto sério.
"Helena, precisamos da sua assinatura para a cirurgia. O Miguel não atende as chamadas."
"Eu assino," disse eu, a minha voz firme. "Eu sou a mãe dele. A minha decisão é suficiente."
O médico assentiu, compreensivo. "A cirurgia está marcada para as dez. Vai correr tudo bem."
Eu assinei os papéis, cada letra do meu nome a parecer um passo para longe de Miguel e da sua família.
Quando o médico saiu, o meu telemóvel vibrou. Era uma mensagem de Miguel.
"Pára de me chatear. Já te disse que estou ocupado com a Sofia. Ela está muito abalada. Assim que encontrarmos o Mimo, eu vou aí. Não faças nada até eu chegar."
"Tarde demais," murmurei para o ecrã. "A decisão já foi tomada."
Eu não lhe respondi. Bloqueei o número dele, tal como ele tinha feito comigo.
Era um pequeno ato, mas pareceu uma libertação.
A enfermeira veio preparar o Leo para a cirurgia. Ele começou a acordar, os seus olhos a piscar, confusos.
"Mãe?" a sua voz era rouca.
"Estou aqui, meu amor. Estou aqui."
"A minha perna dói muito."
"Eu sei, querido. Os médicos vão tratar de ti. Vais ficar bem."
Ele olhou para mim, os seus grandes olhos castanhos cheios de medo. "O pai vem?"
Aquela pergunta. A única que eu temia.
Forcei um sorriso. "O pai está a resolver um problema muito importante. Mas ele ama-te muito. E eu estou aqui contigo. Não te vou deixar um segundo."
Ele pareceu aceitar a resposta, o seu corpo pequeno a relaxar um pouco.
Enquanto o levavam para o bloco operatório, eu andei ao lado da maca, a segurar a sua mão até ao último momento possível.
"Eu amo-te, Leo."
"Também te amo, mãe."
As portas fecharam-se, deixando-me sozinha no corredor.
E então, eu desabei.