"Sofia, para com isto. Pensa no que estás a dizer. Vamos para casa, falamos sobre isto com calma."
"Não há nada para falar," disse eu, com uma calma fria que me surpreendeu a mim mesma. "A minha decisão está tomada."
Nesse momento, a porta abriu-se de rompante.
A minha sogra, a Dona Elvira, entrou como um furacão, com a Clara a reboque.
A Clara tinha um pequeno penso no braço e uma expressão de sofrimento no rosto, que me pareceu completamente falsa.
"Sofia! Como te atreves a perturbar o meu filho desta maneira!" gritou a Elvira, apontando-me um dedo acusador.
"Mãe, agora não," disse o Miguel, parecendo subitamente desconfortável.
"Agora sim!" ela insistiu. "Eu ouvi tudo. Divórcio? Depois de tudo o que esta família fez por ti? Acolhemos-te, tratámos-te como uma filha, e é assim que nos pagas?"
"Trataram-me como uma filha?" ri amargamente. "Desde quando é que tratar alguém como uma filha significa ignorar a sua dor e culpar a vítima?"
A Clara começou a soluçar dramaticamente.
"Tia, por favor, não discuta por minha causa. A culpa é toda minha. Eu não devia ter pedido boleia à Sofia."
"Não digas isso, querida," a Elvira disse, abraçando a Clara. "Tu não fizeste nada de errado. Foi esta irresponsável que não teve cuidado a conduzir!"
"Eu não fui irresponsável!" gritei, a minha paciência a esgotar-se. "Fomos atingidos! Outro carro passou um sinal vermelho!"
"Isso é o que tu dizes," a Elvira retorquiu. "A Clara disse que estavas a mexer no rádio. Distraída."
Olhei para a Clara, que se recusava a encontrar o meu olhar, escondendo o rosto no ombro da Elvira.
A mentira era tão descarada, tão cruel.
"Isso é mentira," disse eu, a minha voz baixa e perigosa.
"Vês, Miguel? Ela está a chamar a tua prima de mentirosa! Que falta de respeito!" a Elvira exclamou.
Virei-me para o Miguel, procurando um pingo de apoio, uma centelha de crença nos seus olhos.
Não encontrei nada. Ele apenas olhava para o chão, dividido e fraco.
"Miguel? Vais ficar aí sem dizer nada?"
Ele finalmente levantou a cabeça.
"Sofia, talvez devesses apenas pedir desculpa. Para manter a paz."
Manter a paz.
Essa frase selou o seu destino no meu coração.
Ele não estava a pedir-me para ser razoável. Ele estava a pedir-me para me submeter, para aceitar a mentira, para sacrificar a minha dignidade pela sua conveniência.
"Acabou," disse eu, olhando diretamente para ele. "Está completamente acabado, Miguel. Saiam. Todos vocês. Saiam do meu quarto."
"Não podes expulsar-nos!" a Elvira guinchou.
"Sim, posso," disse eu, pegando no telemóvel com a minha mão boa e mostrando o ecrã. "Se não saírem agora, eu chamo a segurança do hospital."
O Miguel olhou para mim, vendo a determinação de aço nos meus olhos.
Ele suspirou, derrotado.
"Vamos, mãe. Vamos, Clara. Deixem-na sozinha. Ela precisa de arrefecer a cabeça."
"Mas, Miguel..."
"Vamos!" ele ordenou, empurrando-as suavemente para a porta.
Antes de sair, a Elvira virou-se e lançou-me um olhar venenoso.
"Vais arrepender-te disto, rapariga. Vais ficar sozinha e miserável."
A porta fechou-se, deixando-me no silêncio ensurdecedor.
Sozinha e miserável?
Olhei para o meu pulso enfaixado.
Pela primeira vez desde o acidente, não senti desespero.
Senti uma estranha sensação de liberdade.