A Mão Que Voltou a Desenhar
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Capítulo 2

A palavra "divórcio" pairou no ar entre nós.

A cara do Miguel passou da raiva à incredulidade.

"Divórcio? Estás a brincar comigo? Divórcio por causa disto?"

"Isto?" repeti, a minha voz a subir. "Isto é a minha vida, a minha carreira, o meu futuro! E tu não te importas!"

"Claro que me importo!" ele gritou, mas as suas palavras soavam vazias. "Só acho que estás a reagir de forma exagerada! É o choque do acidente a falar."

Ele tentou pegar na minha mão esquerda, a sã.

Afastei-a.

"Não toques em mim."

"Sofia, para com isto. Pensa no que estás a dizer. Vamos para casa, falamos sobre isto com calma."

"Não há nada para falar," disse eu, com uma calma fria que me surpreendeu a mim mesma. "A minha decisão está tomada."

Nesse momento, a porta abriu-se de rompante.

A minha sogra, a Dona Elvira, entrou como um furacão, com a Clara a reboque.

A Clara tinha um pequeno penso no braço e uma expressão de sofrimento no rosto, que me pareceu completamente falsa.

"Sofia! Como te atreves a perturbar o meu filho desta maneira!" gritou a Elvira, apontando-me um dedo acusador.

"Mãe, agora não," disse o Miguel, parecendo subitamente desconfortável.

"Agora sim!" ela insistiu. "Eu ouvi tudo. Divórcio? Depois de tudo o que esta família fez por ti? Acolhemos-te, tratámos-te como uma filha, e é assim que nos pagas?"

"Trataram-me como uma filha?" ri amargamente. "Desde quando é que tratar alguém como uma filha significa ignorar a sua dor e culpar a vítima?"

A Clara começou a soluçar dramaticamente.

"Tia, por favor, não discuta por minha causa. A culpa é toda minha. Eu não devia ter pedido boleia à Sofia."

"Não digas isso, querida," a Elvira disse, abraçando a Clara. "Tu não fizeste nada de errado. Foi esta irresponsável que não teve cuidado a conduzir!"

"Eu não fui irresponsável!" gritei, a minha paciência a esgotar-se. "Fomos atingidos! Outro carro passou um sinal vermelho!"

"Isso é o que tu dizes," a Elvira retorquiu. "A Clara disse que estavas a mexer no rádio. Distraída."

Olhei para a Clara, que se recusava a encontrar o meu olhar, escondendo o rosto no ombro da Elvira.

A mentira era tão descarada, tão cruel.

"Isso é mentira," disse eu, a minha voz baixa e perigosa.

"Vês, Miguel? Ela está a chamar a tua prima de mentirosa! Que falta de respeito!" a Elvira exclamou.

Virei-me para o Miguel, procurando um pingo de apoio, uma centelha de crença nos seus olhos.

Não encontrei nada. Ele apenas olhava para o chão, dividido e fraco.

"Miguel? Vais ficar aí sem dizer nada?"

Ele finalmente levantou a cabeça.

"Sofia, talvez devesses apenas pedir desculpa. Para manter a paz."

Manter a paz.

Essa frase selou o seu destino no meu coração.

Ele não estava a pedir-me para ser razoável. Ele estava a pedir-me para me submeter, para aceitar a mentira, para sacrificar a minha dignidade pela sua conveniência.

"Acabou," disse eu, olhando diretamente para ele. "Está completamente acabado, Miguel. Saiam. Todos vocês. Saiam do meu quarto."

"Não podes expulsar-nos!" a Elvira guinchou.

"Sim, posso," disse eu, pegando no telemóvel com a minha mão boa e mostrando o ecrã. "Se não saírem agora, eu chamo a segurança do hospital."

O Miguel olhou para mim, vendo a determinação de aço nos meus olhos.

Ele suspirou, derrotado.

"Vamos, mãe. Vamos, Clara. Deixem-na sozinha. Ela precisa de arrefecer a cabeça."

"Mas, Miguel..."

"Vamos!" ele ordenou, empurrando-as suavemente para a porta.

Antes de sair, a Elvira virou-se e lançou-me um olhar venenoso.

"Vais arrepender-te disto, rapariga. Vais ficar sozinha e miserável."

A porta fechou-se, deixando-me no silêncio ensurdecedor.

Sozinha e miserável?

Olhei para o meu pulso enfaixado.

Pela primeira vez desde o acidente, não senti desespero.

Senti uma estranha sensação de liberdade.

            
            

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