Passei os dois dias seguintes no hospital a planear a minha saída.
Não para a casa que partilhava com o Miguel, mas para um novo começo.
A primeira coisa que fiz foi ligar à minha amiga, a Laura.
"Laura? Sou eu, a Sofia."
"Sofia! Onde te meteste? O Miguel ligou-me a dizer que tinhas tido um acidente, mas depois não disse mais nada! Estás bem?"
A sua voz preocupada era um bálsamo para a minha alma ferida.
Contei-lhe tudo, desde o acidente até à conversa no hospital.
Houve um silêncio do outro lado da linha, e depois uma explosão de raiva em meu nome.
"Aquele filho da mãe! E a família de víboras dele! Eu nunca confiei neles! Estás a falar a sério sobre o divórcio?"
"Mais a sério do que nunca," confirmei.
"Bom. Estou orgulhosa de ti. Onde estás agora? Eu vou buscar-te."
"Ainda estou no hospital. Tenho alta amanhã. Mas não posso ir para casa."
"Não te preocupes com isso. Podes ficar comigo o tempo que precisares. O meu apartamento é pequeno, mas o sofá-cama é teu."
Senti as lágrimas a formarem-se nos meus olhos, desta vez de gratidão.
"Obrigada, Laura. Nem sei o que dizer."
"Não digas nada. Amigas são para isto. Manda-me uma mensagem quando estiveres pronta para sair."
Desliguei o telefone a sentir-me dez quilos mais leve.
O passo seguinte era mais complicado. Precisava de um advogado.
Lembrei-me de um antigo colega de faculdade, o Pedro, que tinha aberto o seu próprio escritório de advocacia.
Encontrei o número dele online e liguei.
"Escritório de Advocacia Alves. Em que posso ajudar?"
"Olá, Pedro? É a Sofia Costa. Não sei se te lembras de mim, da faculdade de artes."
"Sofia! Claro que me lembro! A artista genial. Como estás? Há quanto tempo!"
A sua voz era calorosa e amigável. Expliquei-lhe brevemente a minha situação.
"Estou a divorciar-me e preciso de aconselhamento. A situação é um pouco complicada."
"Entendo," disse ele, o seu tom a tornar-se profissional. "Lamento ouvir isso, Sofia. Claro que te posso ajudar. Podes vir ao meu escritório assim que tiveres alta? Podemos discutir os detalhes."
Combinámos um encontro para o dia seguinte.
Com estes dois pilares de apoio no lugar, senti uma onda de força.
O Miguel não me ligou mais. Provavelmente estava à espera que eu "arrefecesse a cabeça" e voltasse a rastejar.
Mal sabia ele que a Sofia que ele conhecia tinha desaparecido naquele quarto de hospital.
No dia seguinte, a Laura veio buscar-me.
Ela abraçou-me com força à porta do hospital.
"Estás pálida," disse ela, examinando-me. "Mas os teus olhos... há um fogo neles que eu não via há muito tempo."
Sorri.
"É o fogo da liberdade."
Primeiro, fomos ao meu antigo apartamento. A Laura esperou no carro, pronta para intervir se fosse preciso.
Felizmente, a casa estava vazia.
Com a minha mão boa, e com a ajuda da Laura, empacotei o essencial.
As minhas roupas, os meus materiais de arte que conseguia salvar, os meus documentos pessoais.
Deixei tudo o que o Miguel me tinha dado. As joias, os presentes caros.
Não queria nada que me lembrasse dele.
Quando estávamos a sair, vi um envelope na mesa da cozinha.
Tinha o meu nome escrito com a caligrafia apressada do Miguel.
Abri-o.
Era um pedido de desculpas escrito à pressa, cheio de clichés.
"Sofia, querida, lamento a forma como agi. Estava stressado. Por favor, volta para casa para podermos resolver as coisas. A minha mãe também pede desculpa."
Amachuquei o papel na minha mão e atirei-o para o lixo.
Demasiado pouco, demasiado tarde.
A última paragem foi o escritório do Pedro.
Ele recebeu-me com um sorriso simpático. O seu escritório era moderno e luminoso.
"Sofia, senta-te. Queres um café? Água?"
"Água, por favor."
Enquanto ele ia buscar a água, olhei para o meu reflexo na janela.
Parecia cansada, mas determinada.
O Pedro voltou e sentou-se à minha frente.
"Ok, conta-me tudo, desde o início. Não omitas nenhum detalhe."
E eu contei.