Na manhã seguinte, acordei com o som de portas a bater e vozes irritadas.
O Tiago e a sua família estavam a fazer as malas.
Fiquei no quarto de hóspedes, a ouvir.
Eu não queria vê-los.
Ouvi a Helena a queixar-se sem parar.
"Eu não acredito que ela nos está a expulsar. Depois de tudo o que fizemos por ela."
O que é que eles fizeram por mim? Criticaram-me, minaram-me, ignoraram os meus avisos.
Ouvi a Inês.
"Ela é uma bruxa sem coração. O Tiago tem sorte em livrar-se dela."
Finalmente, ouvi o Tiago.
"Parem, as duas. Vamos apenas embora."
A sua voz estava derrotada.
Houve um momento de silêncio, e depois uma batida na minha porta.
"Sofia?" era o Tiago.
Eu não respondi.
"Eu estou a ir embora. Eu só... eu só queria dizer que me desculpa."
Desculpa.
Uma palavra tão pequena para um erro tão grande.
Uma palavra que não podia trazer o meu filho de volta.
Fiquei em silêncio.
Ouvi os seus passos a afastarem-se, a porta da frente a abrir e a fechar.
E depois, silêncio.
Um silêncio profundo e absoluto.
Eles tinham ido embora.
Esperei mais uma hora, só para ter a certeza.
Depois, saí lentamente do quarto.
A casa estava vazia.
Eles tinham levado as suas coisas, as suas roupas, as suas fotografias.
Mas a sua presença ainda pairava no ar, como um cheiro mau.
Fui ao quarto do Leo.
A caixa com as suas coisas estava no canto.
Abri-a.
Lá dentro estavam os seus livros de dinossauros, os seus desenhos, a sua manta de bebé.
Peguei numa pequena moldura.
Era uma foto de nós os três, tirada no seu segundo aniversário.
O Leo estava no meio, a sorrir de orelha a orelha.
O Tiago e eu estávamos a sorrir para ele.
Parecíamos felizes.
Uma família.
Rasguei a fotografia ao meio, separando-me do Tiago.
Deixei a parte do Leo e eu na moldura.
Joguei a parte do Tiago no lixo.
Foi o primeiro passo.
O primeiro passo para apagar o passado.