A minha sogra, Helena, entrou no quarto como um furacão. O seu rosto, normalmente composto, estava contorcido numa máscara de desaprovação. O seu marido, o meu sogro, seguia-a, parecendo um cão de caça envergonhado.
"O que é esta estupidez sobre um divórcio?" ela perguntou, a sua voz a ecoar no quarto silencioso do hospital. Ela nem sequer perguntou como eu estava.
"Olá, Helena. Como pode ver, estou bem." A minha voz era cortante.
"Não me venhas com sarcasmos, rapariga. O Miguel ligou-nos, transtornado. Tu perdeste o bebé e agora queres destruir o teu casamento? Que tipo de mulher faz uma coisa dessas?"
Eu olhei para ela, incrédula.
"O tipo de mulher cujo marido a deixa para morrer para salvar a ex-namorada."
"Não sejas ridícula," ela retorquiu, agitando a mão no ar. "Ele é um bombeiro! É o trabalho dele! Ele salvou uma vida. Devias ter orgulho nele, não fazer birra como uma criança."
"Ele ignorou as minhas dezassete chamadas. Eu era a mulher dele. Eu estava a carregar o neto de vocês."
"E a Sofia estava sozinha e indefesa!" Helena insistiu. "Ela não tem família aqui. Tu estavas num prédio cheio de gente! Alguém te ajudaria."
"Ninguém me ajudou, Helena. Fiquei presa no terceiro andar até os bombeiros de outra corporação me encontrarem. Eu desmaiei por causa da fumaça. Foi por isso que perdi o bebé."
A sala ficou em silêncio por um momento. O meu sogro, um homem geralmente quieto, limpou a garganta.
"Ana, nós lamentamos o bebé. De verdade."
"Lamentam?" Eu ri, um som oco e sem alegria. "Onde estavam vocês? Onde estava o vosso filho?"
Helena deu um passo à frente, o seu dedo apontado para mim. "Ouve aqui. O Miguel cometeu um erro, talvez. Mas o casamento é na alegria e na tristeza. Tu fizeste um voto. Não podes simplesmente desistir."
"O voto dele aparentemente incluía a Sofia. O meu não."
"Ela é uma rapariga com problemas," disse Helena, suavizando um pouco o tom, como se estivesse a confidenciar um segredo. "Ela passou por muito. O Miguel sente-se responsável por ela. É só isso. Compaixão."
"Eu não me importo com a compaixão dele. Eu quero o divórcio."
A sua face endureceu novamente. "Não vais conseguir um cêntimo. Nós vamos garantir isso. Vais sair deste casamento da mesma forma que entraste: sem nada."
Eu olhei para ela, uma calma fria a instalar-se sobre mim.
"Eu não quero o vosso dinheiro. Eu quero a minha vida de volta."
"És uma ingrata," ela cuspiu. "Depois de tudo o que fizemos por ti."
Ela virou-se e saiu do quarto, o seu marido a segui-la como uma sombra.
Eu fiquei ali, sozinha outra vez. As palavras dela ecoavam na minha cabeça. Ingrata.
Lembrei-me de quando conheci o Miguel. Eu era uma jovem designer a tentar singrar. Ele era o bombeiro charmoso e heróico. A sua família parecia perfeita. Helena, a matriarca elegante. O seu pai, o veterinário respeitado.
Eles acolheram-me, mas sempre com uma condição implícita: eu tinha de ser grata. Grata por eles me terem aceitado. Grata por me casar com o seu filho perfeito.
A minha gratidão tinha acabado. Tinha sido queimada juntamente com o meu apartamento e o meu futuro.
Peguei no meu telemóvel e liguei para a minha única amiga, a Clara.
"Clara? Preciso de um favor. Podes ir ao meu apartamento? Ou ao que resta dele?"