"O que vais fazer agora?" ela perguntou, sentando-se na beira da cama.
"Vou divorciar-me do Miguel. E vou sair de Lisboa."
"Para onde vais?"
"Ainda não sei. Para algum lugar onde possa respirar."
A Clara apertou a minha mão. "Eu estou aqui para o que precisares. Não estás sozinha."
Depois de ela sair, abri o diário. A caligrafia da minha mãe era elegante, fluida. As primeiras páginas falavam do seu amor pelo meu pai, um homem que eu mal conheci.
Mas à medida que eu lia, a história mudava. A minha mãe começou a escrever sobre a sua sogra, a minha avó paterna.
As palavras eram um eco assustador do que eu tinha acabado de viver com a Helena.
"Hoje, a mãe do João disse-me que eu não sou boa o suficiente para ele. Que eu sou apenas uma rapariga simples do campo e que estou a impedi-lo de alcançar o seu potencial. Ela disse isto enquanto me ajudava a pôr a mesa para o jantar."
"O João defende-a sempre. Ele diz que a mãe dele é apenas 'protetora' e que eu sou 'demasiado sensível' . Ele não vê como as palavras dela me magoam."
"Ela controla tudo. O nosso dinheiro, as nossas férias, até o nome que quer para o nosso futuro filho. E o João deixa. Ele diz que é mais fácil evitar discussões."
Eu fechei o diário, com o coração a bater descompassado. Era a mesma história. Duas gerações, a mesma dor. A minha mãe viveu uma vida de submissão silenciosa, sempre a tentar agradar a uma família que nunca a aceitou verdadeiramente. Ela ficou. E isso destruiu-a por dentro.
Eu não ia cometer o mesmo erro.
A porta do quarto abriu-se de repente. Era o Miguel.
O seu rosto estava cansado, os seus olhos vermelhos. Ele parecia um homem derrotado.
"Ana," ele disse, a sua voz baixa. "Podemos conversar?"
"Eu pensei que tinhas bloqueado o meu número."
Ele ignorou o comentário. "A minha mãe disse-me o que aconteceu. Que tu desmaiaste. Que foi por isso que..." Ele não conseguiu terminar a frase.
"Sim, Miguel. Foi por isso."
Ele aproximou-se da cama. "Ana, eu sinto muito. Eu estraguei tudo. Eu estava em pânico. A Sofia ligou-me, a gritar, e eu... eu simplesmente reagi. Não pensei."
"Tu não pensaste em mim. Nem por um segundo."
"Isso não é verdade! Eu pensei que estavas segura! Pensei que os vizinhos te ajudariam!"
"Eles ajudaram-se a si mesmos, Miguel. Como toda a gente faz numa situação de pânico."
Ele passou as mãos pelo cabelo. "Eu amo-te, Ana. Eu não quero perder-te. Nós podemos ultrapassar isto. Podemos tentar ter outro bebé."
A menção de outro bebé foi como um soco no estômago.
"Não," eu disse, a minha voz gelada. "Não haverá outro bebé. Não haverá 'nós'."
"Por favor, não digas isso. Dá-me outra oportunidade. Eu faço qualquer coisa."
"Eu quero o divórcio," repeti, cada palavra um prego no caixão do nosso casamento.
Os seus ombros caíram. Ele olhou para mim, os seus olhos a suplicar. Mas pela primeira vez, eu não senti nada. Nenhuma pena. Nenhuma hesitação.
Apenas um vazio frio e a certeza absoluta de que eu estava a fazer a coisa certa.
"Eu não vou assinar nada," ele disse, a sua voz a endurecer. "Eu não te vou facilitar as coisas."
"Então, vemo-nos no tribunal."
Ele olhou para mim por mais um longo momento, depois virou-se e saiu, batendo a porta atrás de si.
Eu peguei no diário da minha mãe novamente. Eu não estava apenas a lutar pelo meu futuro. Estava a lutar para quebrar um ciclo que a tinha aprisionado.
Eu não ia ser a minha mãe.