Na manhã seguinte, a Elvira preparou o pequeno-almoço como se nada tivesse acontecido. Panquecas para o Léo, café forte para o Pedro. Para mim, nada.
Sentei-me à mesa com uma chávena de chá que eu própria fiz. O silêncio era pesado. O Léo, normalmente falador, estava quieto, a olhar para o prato.
"Mamã, posso ir ver a Bia hoje?"
A pergunta inocente dele fez o meu coração apertar.
Antes que eu pudesse responder, a Elvira interveio.
"Léo, querido, come as tuas panquecas. A Bia está a dormir um sono muito, muito longo. Não a podemos incomodar."
O Pedro olhou para a mãe, agradecido. Ele não queria ter aquela conversa.
"Vou levar o Léo ao parque mais tarde," disse o Pedro, mudando de assunto. "Precisamos de um pouco de ar fresco."
"Eu não vou," disse eu, a minha voz firme. "Tenho um compromisso."
"Que compromisso?" perguntou o Pedro, desconfiado.
"Vou a um advogado."
A Elvira largou o garfo com estrondo.
"Advogado? Sofia, perdeste o juízo? Depois de tudo o que o meu filho fez por ti?"
"Tudo o que ele fez por mim?" repeti, incrédula. "Ele deixou-me sozinha no momento mais difícil da minha vida."
"Ele estava a cuidar do vosso outro filho! Um homem tem de ser prático! Não se pode afogar em sentimentalismos!"
"Sentimentalismos?" A palavra era um insulto. "A minha filha morreu. Isso não é um sentimentalismo, é uma tragédia."
O Pedro bateu com a mão na mesa, assustando o Léo, que começou a chorar.
"Chega! Parem as duas! Léo, vamos para o teu quarto."
Ele pegou no Léo e saiu da cozinha. Fiquei sozinha com a Elvira.
Ela olhou para mim com puro desprezo.
"Tu nunca foste boa o suficiente para o meu filho. Sempre tão dramática, tão carente. A Bia era igual a ti. Sempre a precisar de atenção."
Levantei-me, a minha cadeira a arrastar-se ruidosamente no chão.
"Nunca mais fales da minha filha."
"Eu falo como quiser. Esta é a minha casa."
"Não por muito mais tempo," disse eu, e saí da cozinha, deixando-a sozinha com a sua raiva.