O terror paralisou-me.
Ele não podia estar a falar a sério.
Ninguém podia ser tão monstruoso.
"Tu és louco", murmurei, o meu corpo a tremer incontrolavelmente.
"Eu sou prático", corrigiu ele, o seu aperto a intensificar-se.
"A vida da Ana é a nossa prioridade. Tu devias entender isso."
"Eu nunca vou deixar que me toques outra vez", sibilei, a adrenalina a dar-me uma nova força.
Com um grito, dei-lhe uma joelhada com toda a minha força.
Ele dobrou-se de dor, soltando-me.
Não hesitei. Corri para a porta, abri-a e fugi para o corredor.
Corri escada abaixo, os meus pulmões a arder, o som dos seus passos furiosos atrás de mim.
Cheguei à rua e continuei a correr, sem olhar para trás.
Não sei para onde ia, só sabia que tinha de fugir.
O meu telemóvel tocou de novo. Era o meu advogado, o Dr. Almeida.
Atendi, sem fôlego.
"Catarina? Onde estás? O Miguel acabou de me ligar. Ele está a acusar-te de agressão."
"Ele encontrou-me. Ele ameaçou-me", disse eu, ofegante.
"Ele disse... ele disse que queria o meu outro rim."
Houve um silêncio chocado do outro lado.
"Catarina, ouve-me com atenção. Vai para um lugar público. Uma esquadra da polícia, um café cheio de gente, qualquer lugar. Não fiques sozinha. Eu vou tratar disto."
Segui as suas instruções. Entrei no primeiro café que vi, um lugar pequeno e barulhento.
Encontrei uma mesa no canto e sentei-me, a tremer.
O meu reflexo no vidro da janela mostrava uma mulher pálida e assustada.
Eu não me reconhecia.
O que é que a minha vida se tinha tornado?
Pedi um café, as minhas mãos a tremer tanto que mal conseguia segurar a chávena.
O meu telemóvel vibrou com uma mensagem.
Era do Miguel.
"Podes correr, mas não te podes esconder. Eu vou encontrar-te."
Senti um arrepio.
Ele não ia desistir. Eles não iam desistir.
Para eles, eu não era uma pessoa. Eu era um recurso. Uma coleção de partes do corpo prontas a serem colhidas.
O Dr. Almeida ligou-me de volta.
"Catarina, eu falei com ele. Ele retirou a queixa. Mas eu pedi uma ordem de restrição. Ele não se pode aproximar de ti."
Senti um pequeno alívio.
"Obrigada, Dr. Almeida."
"Não me agradeças ainda. Pessoas como ele não se importam com ordens de restrição. Tens de ter muito cuidado. Tens algum lugar para onde ir? Família, amigos?"
Pensei por um momento.
A minha avó tinha morrido. Não tinha mais família.
Os meus amigos... o Miguel tinha-se certificada de me afastar de todos eles ao longo dos anos.
Estava sozinha.
"Não", respondi, a minha voz um sussurro. "Não tenho ninguém."