O funeral do meu filho terminou.
A chuva fina de Lisboa molhava o meu casaco preto.
O padre disse umas palavras finais, mas eu não ouvi.
O meu marido, Pedro, estava ao meu lado, a segurar um guarda-chuva preto sobre a sua própria cabeça.
As gotas de chuva escorriam pelo meu cabelo e entravam-me pela gola.
Eu não sentia o frio.
O caixão branco e pequeno desceu para a terra.
O som da terra a cair sobre a madeira foi o único som que ouvi.
Decidi naquele momento que o meu casamento também estava a ser enterrado.
"Vamos para casa, Sofia," disse Pedro, com a voz sem emoção.
Ele nem sequer olhou para mim.
O seu olhar estava fixo no carro, já a pensar na viagem de volta.
Eu não me mexi.
"Sofia, já chega de drama. O Leo não ia querer ver-te assim."
Leo.
O nome do nosso filho.
O filho que ele mal conheceu.
A voz dele soou-me estranha, distante.
Virei-me para ele, a chuva a escorrer-me pelo rosto, a misturar-se com lágrimas que eu nem sabia que estava a chorar.
"Pedro, quero o divórcio."
Ele parou, finalmente olhou para mim.
A sua expressão não era de surpresa, mas de irritação.
"Agora? Estás a falar sério? No funeral do nosso filho?"
"Não há melhor altura," respondi, com a voz baixa mas firme. "Ele já não está aqui para nos manter juntos."
A raiva brilhou nos olhos dele.
"Não sejas ridícula. Estás a ser emotiva. Estiveste os últimos seis meses fechada em casa, mal falavas. Agora queres o divórcio? O que é que eu fiz?"
O que é que ele fez?
A pergunta ecoou na minha cabeça.
"Quando o Leo estava no hospital, a precisar de um transplante de medula, onde estavas tu, Pedro?"
Ele desviou o olhar.
"Eu estava a trabalhar. Alguém tinha de pagar as contas. Aqueles tratamentos não eram baratos."
"A tua secretária, a Clara, também precisava que trabalhasses até tarde todas as noites? Precisava que a levasses a jantares de negócios em hotéis de luxo enquanto o nosso filho lutava pela vida?"
A voz dela, melosa e preocupada, ecoou na minha memória, vinda de uma chamada que ele pensava que eu não tinha ouvido.
"Pedro, querido, não te esforces demasiado. Pensa na tua saúde. Eu preocupo-me contigo."
A preocupação dela era para ele. A minha era para o meu filho.
Pedro ficou tenso.
"Isso não tem nada a ver. A Clara estava a ajudar-me a fechar um contrato importante. Um contrato que ia pagar mais tratamentos para o Leo."
"O Leo morreu, Pedro. O contrato não o salvou. Tu não o salvaste."
As minhas palavras pairaram no ar húmido entre nós.
Ele não respondeu. Apenas cerrou os punhos.
"Tu não entendes nada de negócios. Achas que o dinheiro aparece do nada? Eu fiz o que tinha de fazer."
"Tu fizeste uma escolha," corrigi-o. "E não nos escolheste a nós."
Ele riu, um som amargo e feio.
"Divórcio? Ótimo. Mas não penses que vais ficar com alguma coisa. A casa é minha. O dinheiro é meu. Tu não trabalhas há anos. Vais ficar sem nada, Sofia."
Ele virou-me as costas e começou a andar em direção ao carro.
"Pensa bem no que estás a fazer. Vais arrepender-te."
Eu não o segui.
Fiquei ali, a olhar para a pequena cova coberta de terra fresca.
Arrepender-me?
O meu maior arrependimento já estava debaixo daquela terra.
Ficar com ele seria apenas um insulto à memória do meu filho.
O meu telemóvel vibrou no bolso.
Era uma mensagem da minha sogra, a mãe do Pedro.
"Sofia, espero que tenhas juízo. O Pedro contou-me a tua ideia absurda. Depois de tudo o que ele fez por ti e pelo rapaz, é assim que lhe pagas? Com ingratidão? Uma mulher deve apoiar o seu marido, não abandoná-lo nos momentos difíceis."
Momentos difíceis para ele?
Apaguei a mensagem sem responder.
O meu filho morreu porque o seu pai, a única pessoa com medula compatível, estava demasiado ocupado numa "viagem de negócios" para fazer o teste final e a doação.
Ele disse que ia na semana seguinte.
Mas o meu filho não teve uma semana seguinte.
O meu telemóvel tocou de novo. Era ela a ligar.
Ignorei.
O que mais havia para dizer?
O Pedro tinha razão numa coisa. Eu não tinha nada.
Mas estar sem nada era melhor do que continuar a viver uma mentira.
Eu já não tinha um filho. Já não tinha um motivo para fingir.
O divórcio não era uma escolha.
Era a única coisa que me restava fazer.