Andei sem rumo pelas ruas de Lisboa.
O sol começava a aquecer o asfalto, mas eu ainda sentia o frio da noite anterior.
O meu telemóvel estava no bolso, mas eu não tinha para quem ligar.
Os meus pais viviam no Algarve. A nossa relação era distante, tensa por anos de pequenas desilusões. Ligar-lhes seria admitir o meu fracasso total.
Parei num pequeno café, o cheiro a café e pastelaria a fazer o meu estômago roncar.
Percebi que não comia nada desde a manhã do funeral.
Entrei e pedi um café e um pastel de nata.
Sentei-me a uma mesa no canto, a observar as pessoas a passar.
Famílias a rir, casais de mãos dadas, estudantes a correr para as aulas.
Um mundo inteiro que continuava a girar, indiferente à minha dor.
Enquanto comia, a minha mente começou a trabalhar.
O que ia fazer?
O Pedro tinha razão. Eu não tinha nada.
Anos como dona de casa tinham-me deixado sem carreira, sem poupanças próprias.
Eu era completamente dependente dele.
E ele sabia disso. Era por isso que ele estava tão confiante de que eu voltaria.
O pensamento fez-me sentir um nó no estômago.
Eu não podia voltar.
Terminei o meu café e paguei com as poucas moedas que tinha.
Precisava de um plano. Precisava de um advogado.
Lembrei-me de uma amiga da faculdade, a Inês. Ela tinha-se tornado advogada de direito da família. Não falávamos há anos, mas era a minha única opção.
Procurei o nome dela na minha lista de contactos.
O dedo pairou sobre o botão de chamada. Senti uma onda de vergonha.
Ligar-lhe seria como abrir uma velha ferida, mostrar-lhe o quão longe eu tinha caído.
Mas a alternativa era pior.
Respirei fundo e liguei.
A chamada foi para o voicemail.
"Olá, Inês. É a Sofia. A Sofia Martins. Não sei se te lembras de mim... da faculdade. Eu... preciso da tua ajuda. É sobre um divórcio. Por favor, liga-me quando puderes."
A minha voz soou fraca e desesperada.
Desliguei, sentindo-me ainda mais patética.
Saí do café e comecei a andar novamente.
Precisava de um sítio para ficar. Um sítio barato.
Passei por uma pensão de aspeto duvidoso. O letreiro de néon estava partido, e a tinta da fachada descascava.
Não era o Ritz, mas era um teto.
Entrei. O rececionista, um homem velho com um cigarro a sair-lhe do canto da boca, olhou para mim de cima a baixo.
"Um quarto," disse eu.
"Quarenta euros por noite. Pagamento adiantado."
Contei o dinheiro que tinha. Dava para duas noites.
Dei-lhe as notas.
Ele entregou-me uma chave presa a um porta-chaves de plástico gasto.
"Quarto 204. Segundo andar. Não faças barulho."
Subi as escadas rangentes. O corredor cheirava a mofo e a tabaco velho.
Abri a porta do quarto 204.
Era pequeno, com uma cama de ferro, uma pequena cómoda e uma janela que dava para um beco cheio de lixo.
Mas era meu. Pelo menos por duas noites.
Atirei-me para a cama, o colchão a ranger em protesto.
Fechei os olhos.
A imagem do pequeno caixão branco voltou à minha mente.
As lágrimas voltaram, silenciosas e quentes.
Mas desta vez, não eram apenas de tristeza.
Eram também de raiva.
Eu ia lutar.
Pelo Leo. Por mim.
Eu não ia deixar que o Pedro e a sua família me destruíssem.
Adormeci com o som das sirenes ao longe, um som estranhamente reconfortante na minha nova e solitária realidade.