Cheguei a casa e o cheiro a desinfetante pairava no ar.
A minha sogra, a Dona Elvira, estava na sala de estar a limpar o pó dos móveis com uma fúria controlada.
Ela não olhou para mim quando entrei.
"Finalmente decidiste voltar," disse ela, a voz cortante como vidro.
"Esta também é a minha casa," respondi, fechando a porta atrás de mim.
"Por enquanto," retorquiu ela, batendo com o pano numa pequena mesa de centro. "O Pedro disse-me que perdeste o juízo. Querer o divórcio numa altura destas. Não tens vergonha?"
Fui direta para o quarto. Eu só queria tirar as roupas molhadas e deitar-me.
Ela seguiu-me, implacável.
"Estou a falar contigo, Sofia. Não me vires as costas."
Parei à porta do quarto, a mão na maçaneta.
"Não há nada para falar, Elvira. A decisão está tomada."
"Decisão? Tu não decides nada aqui! Foste tu que não conseguiste dar ao Pedro um filho saudável. Foi o teu corpo que falhou. E agora queres abandoná-lo? Depois de todo o sofrimento que lhe causaste?"
As palavras dela eram pedras atiradas contra mim.
Senti uma onda de cansaço tão profunda que quase me fez vergar.
"O Leo não era um objeto defeituoso, Elvira. Ele era uma pessoa. Ele era o meu filho."
"E neto meu! Achas que eu não sofri? Mas eu sei qual é o meu lugar. Eu apoio o meu filho. Tu, pelo contrário, só pensas em ti mesma."
Abri a porta do quarto e entrei.
O berço do Leo ainda estava no canto.
Vazio.
A Elvira entrou atrás de mim, a sua presença a encher o pequeno espaço.
"Vais deitar tudo fora? Anos de casamento? Só porque estás triste? Todas as mulheres perdem filhos. Supera."
"Sai do meu quarto," disse eu, a voz a tremer pela primeira vez.
"Este quarto pertence ao meu filho. Esta casa pertence ao meu filho. Tu não tens nada. És uma convidada que ficou tempo demais."
Ela aproximou-se do berço.
"Se tivesses sido uma mãe melhor, talvez ele ainda estivesse aqui."
Nesse momento, algo dentro de mim quebrou.
Virei-me para ela, e a raiva, fria e pura, substituiu o cansaço.
"Uma mãe melhor? Eu passei todas as noites no hospital. Eu segurei a mão dele enquanto ele vomitava por causa da quimioterapia. Eu li-lhe histórias até ele adormecer, mesmo quando ele mal conseguia manter os olhos abertos. Onde estava o teu filho perfeito, Elvira? Onde é que ele estava?"
Ela recuou um passo, surpreendida pela minha explosão.
"Ele estava a trabalhar! Para pagar tudo isto!"
"Ele estava com a secretária dele! Eu ouvi as chamadas! Eu vi as reservas de hotel! Enquanto o nosso filho morria, ele estava noutra cama!"
O silêncio caiu sobre o quarto, pesado e sufocante.
O rosto da Elvira ficou pálido.
Ela abriu a boca para falar, mas não saíram palavras.
"Agora," disse eu, a minha voz baixa e perigosa. "Sai. Daqui."
Ela olhou para mim, depois para o berço, e finalmente saiu do quarto, fechando a porta suavemente atrás de si.
Fiquei sozinha com o silêncio e o berço vazio.
Fui até à cómoda e abri a primeira gaveta.
As pequenas roupas do Leo estavam lá, dobradas na perfeição.
Peguei num pequeno macacão azul, o tecido macio contra a minha pele.
O cheiro dele ainda estava lá.
Sentei-me no chão, abracei a pequena peça de roupa e, pela primeira vez desde o funeral, chorei.
Chorei pela perda, pela raiva, pela traição.
Chorei porque estava completamente sozinha.