Passei a noite no chão do quarto, rodeada pelas roupas do Leo.
Não dormi.
Quando o sol nasceu, os meus olhos estavam secos e a minha decisão mais forte do que nunca.
Levantei-me, os meus membros rígidos e doridos.
Fui à casa de banho e olhei-me ao espelho.
A mulher que me olhava de volta era uma estranha. Tinha olheiras profundas, a pele pálida e os olhos vazios.
Mas havia uma nova dureza no seu queixo.
Abri o armário e comecei a fazer uma mala.
Apenas o essencial. Algumas roupas, os meus documentos, o pouco dinheiro que tinha guardado.
Não peguei em nenhuma das joias que o Pedro me deu. Não queria nada que me ligasse a ele.
Quando estava a fechar a mala, a porta do quarto abriu-se.
Era o Pedro.
Ele parecia cansado. O seu fato estava amarrotado.
Ele olhou para a mala na cama, depois para mim.
"Vais mesmo fazer isto?"
"Sim," respondi, sem hesitar.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo.
"Sofia, vamos ser razoáveis. Ontem foi um dia difícil para todos. Estávamos todos de cabeça quente."
"A minha cabeça nunca esteve tão fria, Pedro."
"Ouve, eu sei que falhei. Devia ter estado mais presente. Mas o trabalho... foi avassalador."
Ele aproximou-se, tentou pegar na minha mão.
Eu recuei.
"Não me toques."
A sua expressão endureceu.
"Ok. Se é assim que queres. Mas para onde vais? Não tens para onde ir. A tua família vive do outro lado do país e mal falas com eles."
"Isso não é da tua conta."
"É da minha conta quando ainda és minha mulher! O que é que eu vou dizer às pessoas? Que a minha mulher me deixou no dia do funeral do nosso filho? Vais fazer-me parecer um monstro."
"Tu és um monstro," disse eu, calmamente.
Ele riu, incrédulo.
"Eu? Eu que trabalhei como um cão para te dar esta vida? Para pagar os melhores médicos para o Leo? Eu sou o monstro?"
"Sim. Tu. Deixaste o teu filho morrer para não teres de interromper a tua viagem de negócios com a tua amante."
O rosto dele ficou vermelho de raiva.
"Não lhe chames isso! A Clara é minha colega!"
"Colegas não partilham quartos de hotel, Pedro."
Ele ficou sem palavras, a sua raiva a lutar com a sua culpa.
Peguei na minha mala.
"Vou-me embora."
Tentei passar por ele, mas ele bloqueou-me o caminho.
"Tu não vais a lado nenhum com as minhas coisas."
"Estas são as minhas roupas."
"Compradas com o meu dinheiro."
Ele agarrou a mala, a tentar tirá-la da minha mão.
Por um segundo, lutámos por ela, um cabo de guerra patético no meio do quarto do nosso filho morto.
"Larga," disse eu, com os dentes cerrados.
"Não. Vais ficar aqui e vamos resolver isto como adultos."
"Não há nada para resolver."
Com um puxão forte, larguei a mala.
Ele desequilibrou-se para trás, a mala a cair no chão com um baque.
Aproveitei a oportunidade e saí do quarto.
"Sofia!" gritou ele, a sua voz cheia de fúria.
Não parei.
Desci as escadas a correr. A Elvira estava na sala, a observar-me com os olhos arregalados.
Não lhe disse nada.
Abri a porta da frente e saí para a luz da manhã.
O ar fresco encheu-me os pulmões.
Ouvi o Pedro a gritar o meu nome outra vez, mas não olhei para trás.
Continuei a andar, sem mala, sem dinheiro, sem destino.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, senti-me livre.